UM MISSIONÁRIO NO CALVÁRIO

Hoje pela manhã (10 de setembro), estive com Jesus. Levantei-me da Mesa Eucarística para subir ao Calvário com Ele. Como há dois mil anos, estava transfigurado. Não na aparência, mas na dignidade humana. Estava bêbado e drogado.

Eu estava voltando para casa, a pé, depois de presidir a Santa Missa, quando Ele me viu passar pela rua. Me chamou da área de uma casa feita de madeira. Sua voz sofrida atraiu-me até Ele. Queria uma bênção. Sim, tive a graça de abençoar meu Mestre Sofredor.

Tocou-me sem a pressa de afastar sua mão de mim. Convidou-me para entrar, querendo que eu conhecesse seus amigos. O medo me invadiu. Ele percebeu. Desafiou-me! Disse que, se fosse o Papa Francisco, entraria em sua casa e que se eu, de fato, acreditasse em Jesus, não deveria recusar o convite. Dei-me por vencido! Deus sabe nos provocar e nos arrancar de nossos comodismos e preconceitos.

Não era apenas um Cristo. Eram cinco! Estavam drogados, mas, mesmo assim, me reconheceram como padre. Havia garrafas e drogas no chão. Pairava ali dentro, naquela casa fechada, cheiro de urina, suor, cachaça, maconha e comida azeda. Com violência, esses odores fundidos invadiram-me e causaram náuseas em mim.

Quando entrei, percebi que o medo havia me abandonado. Não vi um bando de delinquentes, marginais ou vagabundos como a maior parte da população os rotula. Vi algo pior! Vi jovens de bom coração se destruindo.

Havia ternura, educação e respeito em suas vozes ao me falarem. Questionaram, envergonhados, o que eu fazia ali dentro. A resposta saiu pronta: Vim visitá-los. Embora com os olhos baixos pela vergonha, não sei se do ato que praticavam ou da casa suja, vi um sorriso ser desenhado em seus lábios. Sentiam-se honrados com a minha presença. Ao mesmo tempo me senti impotente e importante. Impotente por não saber o que fazer e importante por poder estar com eles. Não fui levar remédio para suas feridas, mas senti que ao menos podia soprá-las. Quando não se pode curar, ao menos nos esforcemos em aliviar sofrimentos.
Aquele que havia me chamado para entrar, me fez um outro pedido: se eu poderia visitar e abençoar sua avó, que ele considera e chama de mãe. Embora tendo saído da casa em questão para ir a outra na mesma rua, percebi não ter saído do Calvário. Encontrei-me, então, com Maria, a Mãe do Senhor, escondida numa senhora pequenina, envelhecida pelos anos e pelo sofrimento, com olhos brilhosos de lágrimas. Era a Senhora das Dores de traços indígenas. Ela se alegrou com a minha chegada e chorou em meus braços um pesadelo que não conseguia ser palavra. Disse-me o quão bom é o seu neto. Contou que é ele quem arruma a casa, cozinha e cuida dela, mas não o reconhece quando se entrega ao demônio da bebida.

Ela apenas reforçou o que eu já havia percebido: aquele rapaz não era um mau caráter, ele apenas havia feito escolhas infelizes e agora sofria e fazia sofrer aquela que o amava. Após seu materno desabafo, ambos choraram.

Em meio a Jesus e Maria, naquele doloroso e dolorido Calvário, me fiz o discípulo amado: fiz companhia ao Mestre e amparei sua santa mãe. Desejei estar ali naquele momento, como nunca havia desejado tanto estar em outro lugar. Nunca minha vida fez tanto sentido como naqueles poucos minutos.

Depois de abençoar a casa e eles, parti com o coração partido. Uma parte de mim quis fazer morada naquele pobre e sofrido lar. Vim para a casa com o cheiro de suas chagas nas mãos, na roupa, na consciência e na memória.  Ao abraçar o Cristo drogadicto, sujei-me em suas feridas. Ao abraçar a Senhora das dores, molhei-me em suas lágrimas. Ao adentrar o Calvário, consegui compreender o silêncio de Deus: quem consegue dizer algo quando a parte que mais amamos na gente está morrendo? Aqueles que amamos fazem parte de nós como órgãos vitais.

Vi todos os meus bonitos discursos prontos morrerem ali. Quando falamos a partir de uma impressão, nada de relevante temos a dizer, mas quando conhecemos o sofrimento e falamos a partir dele, falamos ao coração. E é essa experiência que gera transformação… Tanto no que padece pelos vícios, quanto naquele que padece de preconceito.

Padre André Ricardo Panassolo é do clero da nossa Diocese de Amparo e atua como missionário

na Amazônia pelo Projeto Missionário entre os Regionais Sul 1 e Norte 1 da CNBB

 

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