Parábola III – À procura da ovelha perdida e da moeda encontrada (Lc 15, 1-7)
O capítulo 15 do Evangelho de São Lucas é dos mais belos do Novo Testamento: em cena está a compaixão de Jesus Cristo pelos pecadores, explicada em três parábolas. As “parábolas da misericórdia” (a ovelha perdida, a moeda encontrada e o pai misericordioso) sucedem-se umas às outras, sem interrupção. Todavia, é bom que se distingam as primeiras duas parábolas, não só porque a terceira é muito mais desenvolvida, mas também pelo desfecho diferente. Enquanto as primeiras duas parábolas concluem com uma festa, a terceira deixa-nos com a respiração suspensa: não nos diz se o irmão mais velho decide participar da festa pelo regresso do mais novo ou se permanece sozinho.
Todos os cobradores de impostos e pecadores se aproximavam para ouvir Jesus. Mas os fariseus e os doutores da Lei murmuravam: “Esse homem recebe pecadores e come com eles”. Então Jesus lhes contou esta parábola: “Quem de vocês, se tiver cem ovelhas e perder uma, não deixa as noventa e nove no deserto e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? Quando a encontra, todo alegre a coloca nos ombros e, de volta para casa, chama os amigos e vizinhos, e lhes diz: “Alegrem-se comigo, porque encontrei minha ovelha perdida”. Eu lhes digo: da mesma forma, haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão”.
1. As várias categorias de pecadores
No tempo de Jesus, é possível distinguir quatro categorias de pecadores: físico, raciais, sociais e morais. Parece que Ele se relacionou com todas as categorias mencionadas. A primeira categoria de pecadores é física e deve-se à concepção pela qual qualquer enfermidade física é devida ao pecado. As doenças são vistas como consequências do pecado, e não como condições naturais. Quando Jesus cura um cego desde a nascença, os discípulos interrogam-no sobre se a cegueira depende do pecado do doente ou do dos seus pais (Jo 9,1-2). Além da relação entre pecado e doença na população palestiniana tinha-se difundido a idéia de que, porque só Deus podia perdoar os pecados, qualquer milagre devia ser pago através de uma purificação no Templo. Jesus assume o direito de purificar do pecado, como quando cura um paralítico descido pelo teta da casa (Mc2,1-12). O gesto foi visto como uma blasfêmia que escandalizou os presentes.
A segunda categoria de pecadores é racial: os estrangeiros eram vistos como pecadores porque não observavam a lei segundo as tradições judaicas. Nesta categoria entravam os samaritanos e os gentios que viviam na Palestina: a submissão à Lei de Moisés permitia serem libertados de tal forma de pecado. Por isso, aos gentios não era concedido entrar no Templo de Jerusalém, mas eram obrigados a respeitar os confins da santidade do lugar, sob pena de apedrejamento e de contaminação do lugar sagrado.
Ao significado racial do termo “pecador” acrescenta-se o social, consagrado aos cobradores de dívidas ou aos publicanos, que recolhiam as taxas obrigatórias devidas ao poder imperial. Equiparados aos usuários, os publicanos viviam dos juros aplicados aos impostos. Para fazer parte dos seus discípulos, Jesus escolhe Levi, filho de Alfeu, que convida a segui-lo enquanto trabalhava na cobrança de impostos. Para sublinhar a reintegração deste grupo de pecadores, Jesus conta a parábola do publicano e do fariseu no Templo (Lc 18,9-14), sobre a qual meditaremos.
A última categoria de pecadores é ética e compreende os usurários e as prostitutas. Pudemos observar que a mulher que lava os pés a Jesus na casa de Simão é uma pecadora. A samaritana, com quem Jesus se demora a falar, teve cinco maridos e vive com um que não é o seu (Jo 4,1-30).
Jesus Acredita que foi enviado para curar as feridas de todos os pecadores, não excluindo nenhum. Naturalmente por tratamento é acusado de ser pecador (Jo 9,24-25), porque convive com pecadores. Mas os milagres desmentem a acusação, porque um pecador não pode realizar os prodígios que Ele realiza: as parábolas explicam as razões que o levam a atender os pecadores.
2. O pastor e a ovelha perdida
Jesus não foi o primeiro a escolher um ambiente pastoril para falar da relação entre o pastor e as ovelhas. O profeta Ezequiel conta uma ampla parábola contra os pastores de Israel que pode ter inspirado a parábola de Jesus: “ Eu mesmo conduzirei minhas ovelhas para o pastor e as farei repousar – oráculo do Senhor Javé. Procurarei aquela que se perder, trarei de volta aquela que se desgarrar, curarei a que se machucar, fortalecerei a que estiver fraca. Quanto à ovelha gorda e forte, eu a guardarei. Apascentarei conforme o direito” (Ez 34,15-16).
Todavia, a parábola de Jesus é paradoxal! Em cena entra um pastor que tem cem ovelhas, mas que, perdendo uma, deixa as restantes noventa e nove no deserto e sai à procura da ovelha perdida. Logo que a encontra, põe-a aos ombros, volta para a casa, convoca os amigos e pede que se alegrem com ele. O paradoxo está na pergunta com que Jesus descreve a escolha do pastor: na realidade, ninguém deixaria noventa e nove ovelhas no deserto para procurar uma perdida – correr-se-ia o perigo de ficar sem as noventa e nove no deserto e até sem a única que não se está certo e encontrar.
O modo paradoxal de agir do pastor explica o de Jesus: aqueles que consideram ou presumem estar sem pecado são como as noventa e nove ovelhas abandonadas, sem pastor. O risco é partilhado entre as noventa e nove ovelhas no deserto e a ovelha perdida, com uma diferença substancial: a que se perdeu exige que se vá à procura dela, enquanto se pensa que as outras estão seguras.
A alegria liga a parábola à vida: encontrar a ovelha perdida é a felicidade do pastor e de Deus, que se alegram mais por um pecador convertido do que pelos noventa e nove justos que não precisam (ou se iludem de não ter necessidade) de conversão. Comovente é o modo como Jesus entende a conversão: é fruto não do sujeito que se converte, mas do agir divino que procura quem anda perdido. A conversão é sempre ação de graça, dada por quem põe a ovelha perdida aos ombros e regressa a casa; e porque este milagre depende da graça, a conversão exige ser partilhada. Aos fariseus e aos escribas, a escolha deve ser feita: partilhar a alegria da conversão, doada aos publicanos e aos pecadores, ou dificultá-la, caindo na presunção de poder permanecer no deserto, como um rebanho sem pastor à mercê dos perigos.
Por isso, o componente humano da conversão é importante, pelo menos porque as pessoas não podem manipular-se com as ovelhas. Todavia, a parábola não deve ser moralizada nem por parte das noventa e nove ovelhas, nem por parte da ovelha encontrada. Por outras palavras, não é necessário perder-se para depois ser reencontrado, nem ser deixado no deserto para não ser procurado por Deus. Todas as ações são do pastor, e não das ovelhas; para sublinhar bem a origem divina da conversão, Jesus também contou a parábola das moedas.
3. A dona de casa e a moeda encontrada
A situação inconcebível do pastor e das suas ovelhas torna-se mais natural numa dona de casa que perde uma moeda esse empenha de todos os modos em procurá-la. Logo que a encontrou, a mulher convoca as amigas e as vizinhas, exorta-as a alegrarem-se com ela por ter encontrado a moeda perdida. Análoga é também a conclusão da parábola: junto dos anjos de Deus há alegria por um só pecador que se converta. Numa primeira leitura parece que o conteúdo das duas parábolas é o mesmo: às cem ovelhas correspondem dez moedas, e a ovelha perdida equivale à moeda perdida. Na realidade, a atenção concentra-se agora no empenho da mulher em procurar a moeda perdida, que vale muito menos do que uma ovelha. No tempo de Jesus, uma moeda de prata valia o mesmo que um denário ou um dia de trabalho dependente.
Apesar do relativo valor de uma moeda de prata, a dona de casa empenha-se totalmente em encontrá-la. Na parábola não se especifica o estatuto social da mulher, que no caso de uma condição de pobreza explicaria tanta preocupação pela moeda perdida. Aqui a atenção concentra-se na procura meticulosa e na alegria partilhada por ter encontrado a moeda de prata perdida. A dedicação e a alegria conferem real valor à moeda, mas não pelo seu valor nominal.
Uma moeda é inanimada; isto sublinha ainda mais a conversão concebida não como resposta humana, mas como ação de graça de Deus. A mais breve das parábolas da misericórdia não relaciona a moeda perdida com as outras, como pelo contrário, a ovelha perdida com as outras noventa e nove e o filho mais novo com o mais velho. A dona de casa procura a moeda de prata por causa do valor que tem para ela, e não pelo confronto com as outras moedas. Mesmo que fosse apenas um pecador, valeria a pena procurá-lo, encontrá-lo e alegrar-se.
4. Jesus e a comunidade com o rosto do pastor
Voltemos à relação entre o pastor e as ovelhas: aprofundemo-la com os evangelhos de São João e de São Mateus. No Evangelho de João 10,1-16, Jesus narra a semelhança do bom pastor (que se poderá traduzir por belo pastor), com quem se identifica. Ele é o bom pastor porque conhece pelo nome e dá a vida pelas suas ovelhas. No cuidado das ovelhas, o pastor é diferente dos mercenários e dos salteadores. Se o mercenário está interessado no seu salário, o pastor doa-se às ovelhas sem olhar para despesas nem ao tempo necessário para que aprendam a familiarizar-se com ele. E enquanto o ladrão rouba as ovelhas, o pastor vive por ela e ela se doa.
Aquilo que distingue o mercenário e o ladrão do pastor é o perigo! Quando se avista um lobo, o mercenário abandona as ovelhas e foge, porque elas não lhe interessam. O pastor reconhece-se não pela função que tem, ma perante a provocação e os perigos que enfrenta: quando chega o momento em que deve decidir se foge para salvar a pele ou se fica e a perde pelas suas ovelhas. Neste dom total de si mesmo, até a morte, Jesus é o bom (e o belo) pastor: de uma beleza que deriva não do seu aspecto, mas da sua permanência com as ovelhas em situações de perigo.
Se no discurso sobre o bom pastor Jesus se distingue pela exclusividade de quem se doa a si mesmo até o derramamento de sangue, o Jesus do Evangelho de São Mateus acrescenta uma nova dimensão à relação entre o pastor e as ovelhas. Em Mt 18,12-14, aparece a mesma parábola de Lc 15,4-7, mas o contexto é diferente, porque faz parte de um discurso sobre a Igreja. A primeira parte do discurso é dedicada aos “pequeninos” que se devem acolher na comunidade cristã e culmina com a parábola do bom pastor. O contexto diferente volta a atenção para o impacto da parábola: “Assim também, não é da vontade do Pai de vocês que está nos céus, que se perca nenhum destes pequeninos” (Mt 18,14). A Igreja está envolvida na primeira pessoa na parábola porque lhe é confiada a vontade do Pai: que nenhum pequenino se perca.
A Igreja assume o rosto do Pai misericordioso quando é a mãe que procura a ovelha perdida: não esquece as noventa e nove nos montes, mas alegra-se por aquela que encontrou. Vê-se bem que agora a parábola do bom pastor envolve a Igreja e os seus pastores. Os pequenos que não encontram espaço na sociedade assumem direito de cidadania na comunidade cristã. Não só são acolhidos, mas devem ser procurados correndo o risco de não os encontrar. A uma Igreja que avança no caminho simples do puritanismo e da eficácia, Jesus contrapõe outra que põe no centro os pequenos. Se a igreja está onde dois ou mais se reúnem em nome de Jesus, o rosto de Cristo na Igreja é o dos pequeninos.
Com genialidade, Alexandre Manzoni reescreveu a parábola da ovelha perdida, quando conta os encontros do namorado com Lúcia e o cardeal Federigo Borromeo. Não nos podemos alongar nos capítulos XXI e XXIII de Os Noivos: recomendamo-los pela sua beleza. Informamos apenas que estes capítulos se e centram na frase de Lúcia quando encontra o namorado: “Deus perdoa tantas coisas por uma obra de misericórdia”. A afirmação impede o namorado de se suicidar durante uma noite angustiante, e no dia a seguir vai encontra-se com o cardeal Federigo. Por seu lado, o cardeal reconhece a sua culpa e censura-se, porque ele é que deveria ter saído à procura daquele rapaz, em vez de estar à espera de ser visitado; é então aqui que aparece a releitura da parábola: “Deixemos as noventa e nove ovelhas […] em segurança no monte: agora quero ficar com esta que se perdeu. Aquelas almas estão talvez agora muito mais contentes do que ao verem este pobre bispo. Talvez Deus, que em vós operou o prodígio da misericórdia, difunda nelas uma alegria cuja causa ainda não entendem”.
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Fonte: Parábolas da Misericórdia, publicada pelo Conselho Pontifício para a Nova Evangelização