O povo de Israel era um povo privilegiado, que sempre merecera um tratamento preferencial por parte do Senhor Yahweh. Naturalmente, favor puxa favor. Amor com amor se paga. Exatamente de Israel o Senhor deveria esperar uma resposta mais pronta, um “amor de noivado” (cf. Jr 2,2).
Parece, porém, que esse povo ficou mal-acostumado… Habituou-se a grandes milagres, como o Sol parando em sua órbita, o Mar Vermelho aberto para que os hebreus passassem a pé enxuto, 40 anos de maná no deserto, matando a fome do povo.
Por isso, para aceitar Jesus como o Messias esperado, o povo condicionava sua fé à demonstração espetacular de sinais, milagres e portentos. E mesmo diante dos milagres continuavam cegos, pois queriam um Messias à sua medida, um líder político que os libertasse do jugo romano… Apegados à sua Lei e à sua pertença ao povo escolhido, julgavam-se melhores, julgavam-se merecedores, com direito a fazer exigências. Nada nos afasta tanto de Deus quanto o orgulho, que nos torna cegos e egoístas.
Enquanto isso, os estrangeiros (os goyim, os de fora, os não-povo, que nada tinham para apresentar em seu favor) iriam surpreender a Jesus com seus atos de fé: a siro-fenícia que se satisfaz com as migalhas que caem da mesa hebraica, o leproso estrangeiro, o único dos dez que voltou para agradecer a cura, e este centurião romano, que sequer exige a presença de Jesus em sua casa, mas crê que o Rabi tem o poder de curar à distância. A humildade, o reconhecimento de nossa pequenez, é a condição para a fé que salva, e por isso esses estrangeiros obtinham aquilo que pediam. Na Nova Aliança, a justificação e a salvação não vêm da Lei (ou seja, das obras), mas da fé em Jesus que nos ama apesar de nossas misérias.
Não critiquemos Israel. Nós, cristãos, fomos ainda mais agraciados com as preferências do Senhor. Temos o Evangelho e os sacramentos. Temos a Tradição e a Doutrina. O exemplo dos santos e o sangue dos mártires. E, apesar de tudo isso, não sei se tal preferência nos moveu a uma adesão perfeita na fé… Pode ser que ainda estejamos à espera de “sinais”, aparições, milagres no varejo… Pode ser que, como os judeus, nos consideremos superiores…
Por isso, não nos surpreendamos se Jesus for buscar as pessoas de boa vontade entre os pagãos e os pecadores (que, por nada terem de seu, sabem-se necessitados), e se estes nos precederem no Reino dos Céus…
Antonio Carlos Santini
Texto integrante do folheto ‘DEUS CONOSCO | A PALAVRA ILUMINA – DIOCESE DE AMPARO’ (29.05.16 – 9º Domingo Comum)