Há muitas maneiras de ver Jesus. Ainda hoje, muitos olham para ele e veem aquilo que desejam ver, aquilo que gostariam que ele fosse: um messias triunfalista, vitorioso, e não alguém que se entrega… Alguém que veio para fazer a nossa vontade, e não alguém por quem devemos renunciar à nossa vontade…
Domingo passado vimos Jesus como doador de vida, restaurador da vida perdida. Hoje, ele nos mostra que a condição para ganhar a vida é perdê-la… Só pode ressuscitar aquele que está morto.
Evidentemente, não se trata aqui da morte física como tal. Trata-se do “morrer para si mesmo”, do “renunciar a nós mesmos” para que já não sejamos nós a viver, mas Cristo a viver em nós. É o que nos torna “herdeiros segundo a promessa”, e, portanto, iguais em nossa dignidade de filhos de Deus (2ª leitura). Não é a nossa condição neste mundo que irá mudar, pois continuará a haver “judeus e gregos, escravos e livres” segundo os critérios do mundo. Aquele, porém, que pelo batismo se revestiu de Cristo, possui uma nova vida interior que ninguém lhe pode tirar, até porque essa vida nasce, exatamente, da entrega da vida.
Mas só podemos percorrer esse caminho porque Jesus o percorreu primeiro. Ao menos por três vezes ele anunciou aos discípulos o destino que o esperava, mas não foi compreendido. Assim como nós temos uma repulsa natural pelo sofrimento, temos também, em contrapartida, uma insensibilidade natural diante do sofrimento alheio… Ao mesmo tempo em que rejeitamos a ideia da cruz e nos escandalizamos com ela, somos capazes de pregar Jesus na cruz, sem perceber a contradição… E só depois, quando a graça de Deus nos abrir os olhos, iremos chorar aquele que transpassamos (1ª leitura).
Mas essa dor e esse remorso só serão curados quando formos capazes de compreender e aceitar o amor. De aceitar viver, em nossa vida, o mesmo amor que levou Jesus a entregar sua vida em resgate por nós. Quando formos capazes de, por nossa vez, “perder a vida” junto com Jesus, por ele e nele, então a salvaremos. E só então, também, seremos capazes de amar o irmão de forma a ser para ele fonte de vida, e não de morte. Não existe verdadeira caridade nem fraternidade sem renúncia a si mesmo, e é por isso que só os santos, os que já entregaram por inteiro sua vida a Deus, são capazes de entregá-la também aos irmãos.
Um cristianismo centrado na busca dos bens do mundo, como se fossem eles a meta e não apenas meios, nunca nos conduzirá à vida…
Margarida Hulshof
Texto integrante do folheto ‘DEUS CONOSCO | A PALAVRA ILUMINA – DIOCESE DE AMPARO’ (19.06.16 – 12º Domingo Comum)