O Beato Carlo Acutis

O Papa João Paulo II disse certa vez, dirigindo-se aos jovens, que o mundo precisa de “santos de calça jeans”. Isto é, de jovens que sejam santos no mundo de hoje, totalmente inseridos em seu tempo, sem deixar por isso de viver para Deus e de dar testemunho de Deus neste mundo que anda tão esquecido dele e de seus ensinamentos.

Graças a Deus, os santos existem em todas as épocas, e portanto também na nossa. Poderíamos citar, por exemplo, Pier Giorgio Frassati, Chiara Luce Badano, Guido Schaffer… e, agora, Carlo Acutis, beatificado em 10 de outubro deste ano pelo Papa Francisco. Todos esses podem ser incluídos na categoria de “santos de calça jeans”, isto é, jovens do nosso tempo que se santificaram sem deixar de viver a vida normal de sua época, mas, ao contrário, servindo-se de seus recursos para evangelizar.

Carlo Acutis, de modo especial, destacou-se por seu apostolado através desse “moderno areópago” que é a internet, da qual se utilizava especialmente para promover o amor à Eucaristia.

Desde muito cedo aprendeu os segredos da Rede – era um autodidata – para  utilizá-la como meio de fazer conhecer e amar Deus verdadeiramente até aos confins da terra. Prova disso é a sua exposição virtual sobre milagres eucarísticos, concebida e realizada quando tinha apenas 14 anos de idade, e que ainda atrai milhares de visitantes de todo o mundo. E isso não é tudo. Carlo também utilizava a Internet para se aproximar dos seus coetâneos, ajudando-os à distância a ultrapassar as dificuldades escolares, fossem elas pequenas ou grandes.

“A breve vida terrena de Carlo”, explica Fortunato Ammendolia, informático e especialista em inteligência artificial, “foi transfigurada pela palavra de Deus e pela Eucaristia”. Por isso começou a escrever na web, com páginas web, a mensagem de fé, uma mensagem do seu amor pela Eucaristia. Ele compreendeu que era necessário habitar o ambiente digital para uma transfiguração do homem, que é o objetivo do trabalho pastoral digital”. Carlo permanecia verdadeiramente próximo de Jesus, mesmo quando percorria os imensos caminhos virtuais: “E isto – acrescenta – deve ter causado uma impressão forte e positiva nos seus amigos. Não há dúvida”.

Além de apaixonado pelo esporte e pela informática, Carlo Acutis – que morreu aos 15 anos de idade, em razão de uma leucemia fulminante – era também um frequentador diário da missa e da oração do terço. Um jovem igual aos outros, mas com um toque diferente que fazia todos se sentirem amigos. O padre Roberto Gazzaniga, que foi seu professor no Instituto Leão XIII de Milão, lembra-se dele assim: «Era muito bom, seu talento era evidente para todo mundo, mas sem provocar invejas ou ciúmes. Carlo nunca ocultou sua fé e inclusive no diálogo-confronto com seus colegas de turma sempre mostrou respeito pelas ideias dos outros, mas sem renunciar á transparência, nem a dizer e testemunhar os princípios inspiradores de sua vida cristã». Dom Ennio Apeciti, responsável pelo Escritório para as Causas dos Santos da Arquidiocese de Milão, disse: «Sua fama de santidade difundiu-se por todo o mundo, de forma misteriosa, como se Alguém quisesse dá-lo a conhecer. Ao redor de sua vida aconteceu algo grande, frente ao qual me ajoelho».

«Senhora, seu filho é especial». Antonia Acutis escutou esta frase muitas vezes: do sacerdote de sua paróquia, dos professores, dos colegas de turma, do porteiro de sua casa na rua Ariosto, em Milão, para onde se mudaram em 1994, três anos após o nascimento de Carlo.

Carlo era um jovem normal, vivo, com muitos amigos e apaixonado pela informática. Mas seu maior amigo era Jesus. Sua mãe se deu conta disso quando Carlo, ainda muito pequeno, ao passar na frente de igrejas lhe dizia: «Mãe, vamos entrar para cumprimentar Jesus e fazer uma oração». Depois ela descobriu que ele lia a vida dos santos e a Bíblia. Sua família era uma família comum, que não frequentava muito a igreja. «Ele me fazia muitas perguntas profundas às quais não sabia responder. Ficava perplexa perante sua devoção. Era tão pequeno e tão cheio de certeza. Eu entendia que era algo seu, mas que também me envolvia. Foi assim que iniciei meu caminho de reaproximação da fé. Eu o segui». O padre Aldo Locatelli, que acompanhou a ela e ao filho, lhe disse: «Há meninos aos quais o Senhor chama desde pequenos».

Aos sete anos, Carlo pediu para receber a Primeira Comunhão. Dom Pasquale Macchi, que o examinou, garantiu a maturidade e a formação cristã do menino, necessárias para receber o Sacramento. Só fez uma recomendação: que a celebração se desse em um lugar próprio para o recolhimento interior, sem distrações. Em 16 de junho de 1998, ele recebeu a Eucaristia no silêncio do mosteiro de Bernaga, em Perego, perto de Lecco.

A vida de Carlo era uma vida simples. Com um ponto firme, especial: a missa diária, porque, dizia ele, «a Eucaristia é minha estrada até o Céu. Somos mais afortunados que os Apóstolos que viveram com Jesus há 2000 anos: para nos encontrar com Ele basta que entremos na igreja. Jerusalém está ao lado de nossas casas». Ao término da celebração, ficava para a adoração. Ele se confessava com frequência, porque «assim como para viajar de balão é necessário descarregar peso, também a alma, para elevar-se ao Céu, necessita livrar-se desses pequenos pesos que são os pecados veniais». São palavras simples, de menino. Mas carregadas do desejo de estar com esse Amigo que lhe estava pedindo que desse testemunho d’Ele com sua vida.

Carlo tinha um caráter forte, decidido. Sua paixão pela informática fazia com que estudasse novos programas. Também gostava muito de jogar PlayStation com seus amigos. Em sala de aula – primeiro na escola das Irmãs Marcelinas e depois com os jesuítas no Liceu Leão XIII – era amigo de todos. Seus colegas, inclusive os não crentes, queriam estar com ele. Pediam-lhe conselho e ajuda. Buscavam-no. Porque com Carlo se ficava à vontade, havia algo atraente nele. Não se interessava muito em seguir a moda e se aborrecia quando sua mãe queria comprar para ele um segundo par de botas. Nunca escondeu qual era a fonte de sua felicidade. Em seu quarto, havia um grande quadro de Jesus que estava à vista de todos. Convidava seus colegas a ir junto com ele à missa, para se reconciliar com Deus. Em um caderno escreveu: «A tristeza é direcionar o olhar para si mesmo, a felicidade é direcionar o olhar para Deus. A conversão não é outra coisa senão desviar o olhar de baixo para cima. Basta um simples movimento de olhos».

No bairro, todos o conheciam. Quando passava de bicicleta, parava para cumprimentar os porteiros, muitos deles estrangeiros de religião mulçumana e hindu. Ele falava com eles sobre si mesmo, de sua fé. E eles escutavam aquele jovem tão simpático e agradável. Na hora do almoço, ele guardava a sobra da comida em recipientes e a levava para os moradores de rua que viviam na região.

Em sua casa, trabalhava Rajesh, um brâmane hindu. Entre ele e Carlo nasce uma profunda amizade, até o ponto de Rajesh se converter e pedir para receber os sacramentos. Conta Rajesh: «Ele me disse que seria mais feliz se eu me aproximasse de Jesus. Pedi o batismo cristão porque ele me contagiou e cativou com sua fé profunda, sua caridade e sua pureza. Sempre o considerei como sendo alguém fora do normal, porque um garoto tão jovem, tão bonito e tão rico normalmente prefere levar uma vida diferente». Mas Carlo não sabia o que significava essa “vida diferente”. O dinheiro, ele estava convencido, não se pode desperdiçar. Com suas primeiras economias comprou um saco de dormir para o mendigo que via no caminho da missa na igreja de Santa Maria Segreta. Também costumava fazer doações aos capuchinhos da Av. Piave, que dão comida aos sem-teto.

Em 2002, participa com seus pais do Meeting de Rímini. Um sacerdote, amigo deles, iria apresentar o Pequeno catecismo eucarístico durante um encontro. Ficou fascinado pelas pessoas e exposições que viu. E então uma ideia lhe ocorreu: uma exposição sobre os milagres eucarísticos. Conta Antonia Acutis: «Estava convencido de que as pessoas poderiam se dar conta de que verdadeiramente na hóstia e no vinho consagrado estão o corpo e o sangue de Jesus. Que não há simplesmente algo simbólico, mas que é a possibilidade real de se encontrar com Ele. Nesse momento ele colaborava na catequese e acreditava que este seria um modo novo de se aproximar do Mistério eucarístico».

De volta a Milão, pôs mãos à obra. Seus conhecimentos de informática foram de grande ajuda. Dedicou-se a isso de corpo e alma. Cuidou da documentação, pediu a seus pais que o acompanhassem numa viagem pela Itália e Europa para coletar material fotográfico. Envolvia todo mundo e “lotou” três computadores. Três anos depois, a exposição estava pronta. Por um boca a boca inesperado, começou a receber solicitações não só de dioceses italianas, mas do mundo todo. Sua exposição chegou até aos confins da terra.

No verão de 2006, durante as férias, uma noite Carlo perguntou a sua mãe: «Você acha que devo me tornar padre?». Ela respondeu com simplicidade: «Você irá vendo isso sozinho. Deus mesmo irá revelando isso a você».

No início de outubro, Carlo adoece. Parecia uma gripe normal. Acabava de terminar a apresentação de um vídeo com propostas de voluntariado para os alunos do Leão XIII. Um trabalho que lhe havia custado muito tempo e que considerava muito importante. A data da projeção era o dia 4 de outubro. Mas ele não pôde ir. Estava internado no hospital São Gerardo de Monza. Não era uma gripe, mas sim uma leucemia fulminante, do tipo M3, a pior. Não havia nenhuma possibilidade de recuperação. Logo depois de atravessar as portas do hospital, disse a sua mãe: «Daqui não saio». Mais tarde disse a seus pais: «Ofereço ao Senhor os sofrimentos que terei que padecer pelo Papa e pela Igreja, para não ter que estar no Purgatório e poder ir direto para o Céu». Os sofrimentos chegaram. Mas quando a enfermeira lhe perguntava como se sentia, ele respondia: «Bem. Tem gente que está pior. Não acorde a minha mãe, que está cansada e iria se preocupar mais». Pediu a unção dos enfermos e morreu no dia 12 de outubro de 2006.

No dia de seu funeral, a igreja e o cemitério estavam lotados. Sua mãe recorda: «Havia gente que eu não conhecia de nenhum lugar. Pessoas desabrigadas, imigrantes, mendigos, crianças… Uma multidão que me falava de Carlo. Das coisas que ele havia feito por elas, e eu não sabia de nada. Davam-me testemunho da vida de meu filho, e eu me sentia órfã».

Um testemunho que foi além da morte. Que transformou a vida de muitos. Através daqueles que o conheceram e pela internet, a sua história e seus pensamentos se tornam conhecidos. A família recebeu milhares de cartas e e-mails de pessoas pedindo para saber mais sobre aquele jovem tão especial. Para muitos jovens ele se tornou um exemplo de como é possível viver a fé.

Dom Giussani escreveu: «A liberdade de Deus se move na vida que criou, se envolve a partir de pessoas e lugares escolhidos – preferidos, diríamos nós, mas é sempre uma preferência que está em função do todo». A especialidade de Carlo foi esta preferência, que ele amou e acolheu. «Está sendo sacerdote lá do Céu», disse sua mãe. «Ele não conseguia entender por que os estádios para os concertos estavam cheios de gente e as igrejas, por sua vez, vazias. Sempre repetia: “As pessoas precisam entender”». Daí o seu compromisso educativo na internet, para repovoar as paróquias.

Carlo Acutis transmitiu uma mensagem a um mundo cada vez mais tecnológico e conectado, que é difícil ignorar. Fortunato Ammendolia tenta sintetizar isto dizendo que “a orientação que herdamos é fundamentalmente educativa para uma espiritualidade eucarística que se encarna na ação centrada no Evangelho. Carlo terá certamente sonhado com projetos de educação sobre a Eucaristia a serem realizados entre a realidade e o digital. Se ele tivesse tido tempo, tenho a certeza que também teria aproveitado a oportunidade da realidade aumentada e da realidade virtual”.

Carlo Acutis deixa também um legado a todos os informáticos do mundo e aos jovens nativos digitais. Uma verdadeira bússola a ser seguida escrupulosamente: “O Papa Francisco – explica Fortunato Ammendolia – apresentando-o como um modelo de santidade na era digital, na encíclica pós-sinodal Christus vivit, escreve que Carlo sabia muito bem que os mecanismos de comunicação e das redes sociais podem ser utilizados para nos tornar sujeitos adormecidos. Mas ele sabia como utilizá-los para transmitir a beleza do Evangelho. Gosto de ler esta frase como um convite a uma utilização ética da rede”.

Margarida Hulshof


Fontes:

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2020-10/acutis-o-beato-que-testemunhou-cristo-nas-estradas-digitais.html

https://portugues.clonline.org/not%C3%ADcias/igreja/2018/08/31/carlo-acutis-basta-elevar-o-olhar

Compartilhar:

Veja mais

No dia 16 de fevereiro, das 8h às 15h, no Centro de Pastoral São João Paulo II, ao lado da Matriz São Sebastião, realizaremos