Caro(a) irmão(ã), o termo Evangelho – do grego evangélion – quer dizer “Boa Nova”. Transmite, de modo escrito, aquilo que Jesus disse e fez (cf. At 1,1) e traz em si a força capaz de renovar a humanidade e o mundo (cf. Mt 11,4-6).
Temos quatro Evangelhos canônicos, ou seja, reconhecidos pela Igreja: Mateus, Marcos, Lucas e João; ou, em outras palavras, um Evangelho – o de Jesus Cristo – narrado de quatro modos. Os três primeiros (Mt, Mc e Lc) são chamados de sinóticos (= semelhantes) e podem ser lidos conjuntamente. Já o quarto Evangelho, o de João, provém de uma tradição própria desse Apóstolo.
Existem ainda os Evangelhos apócrifos (ocultos), assim chamados porque a Igreja dos primeiros séculos não os julgava adequados para serem lidos publicamente nas assembleias religiosas. São de duas vertentes: a cristã, que narra fatos respeitosos e até úteis à fé, mas de forma um tanto fantasiosa sobre o Senhor Jesus, a Virgem Maria, São José etc., e a gnóstica – atribuidora de conhecimentos privilegiados a pessoas especiais que já teriam a salvação eterna garantida. Os gnósticos supõem os escritos cristãos e os distorcem (cf. F. Aquino. A Sagrada Escritura. Lorena: Cléofas, 2000, p. 46-49. Há aí uma lista dos escritos apócrifos do Antigo e do Novo Testamento). Os escritos apócrifos não foram incluídos no cânon oficial da Bíblia (definido pela primeira vez no ano 393 e confirmado muitas vezes desde então), o que significa que não foram reconhecidos como inspirados por Deus, ainda que possam ter valor como literatura humana.
- Como foram redigidos os Evangelhos?
É certo que Jesus nada escreveu, nem recomendou a seus seguidores que redigissem algo, mas apenas que pregassem o Evangelho. Daí, da pregação e da ação de Nosso Senhor à redação definitiva dos Evangelhos decorreram algumas décadas.
1.1 De Jesus aos Apóstolos: Jesus pregou usando os recursos mais comuns de sua época (falar ao povo reunido, usar parábolas, viajar etc.). Tal pregação teve uma lenta compreensão até a Sua Páscoa. Depois dela, sobretudo com a vinda do Espírito Santo, a mensagem de Cristo foi melhor compreendida e acolhida.
1.2 Dos apóstolos às primeiras comunidades cristãs: Os Evangelhos não são uma biografia de Jesus no sentido moderno do termo. Esta segue uma linha precisa que começa no nascimento, passa pela infância, juventude, maturidade e termina com a morte.
Ora, os Evangelhos fazem – podemos dizer – um caminho inverso: a partir da Ressurreição corporal do Senhor (núcleo central do Cristianismo) se relata a Sua Paixão e morte de cruz, bem como os ditos e feitos de sua vida (debates com fariseus, milagres, exorcismos, ensinamentos etc.), incluindo poucos episódios da infância ou a eles anteriores (Anunciação, Genealogia, Existência divina…). Cada um dos evangelistas prega adaptando-se aos seus ouvintes, sem, no entanto, trair a mensagem de Cristo ou adulterá-la. Distinguiam bem o que era parádosis ou tradição (cf. 1Cor 15,3; 11,23), de mythoi ou fábulas. Estas não fazem parte da Boa Nova e devem ser banidas da pregação (cf. 1Tm 1,4; 4,7; 2Tm 4,4; Tt 1,14; 2Pd 1,16).
1.3 Das primeiras comunidades aos Evangelhos: Percebeu-se, com o passar do tempo, a importância de se registrar, de forma sistemática, todo o conteúdo que ia, aos poucos, sendo organizado por várias pessoas (cf. Lc 1,1-2). Daí, o surgimento dos quatro Evangelhos como temos hoje.
- A composição dos Evangelhos: breve esquema
O Evangelho segundo Mt foi escrito em aramaico por volta do ano 50, mas esse original aramaico se perdeu. Antes, porém, deu origem à versão grega de Mt, datada de 80. Há aqui uma troca importante: Mt em aramaico influenciou Mc (anos 60/70) e Lc (ano 75), mas estes por sua vez deram base ao texto retocado de Mt grego dos anos 80. Só Jo tem uma tradição própria, como dito, e data de cerca do ano 100. Vejamos em esquema:
Mt aramaico → Mc grego → Lc grego tradição joanina própria
↓ ↓
Mt grego ← Mc grego Evangelho de João
↑
Lc grego
- A fidelidade histórica em debate
As fontes cristãs sobre Jesus são os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Contudo, aqui a crítica propõe uma dificuldade que se remove sem grandes esforços: “São verdadeiras e fiéis as narrativas históricas dos Evangelhos? Não seriam apenas fruto da fé dos primeiros cristãos?” – Em resposta, notamos que:
- a)Há nos Evangelhos citações históricas, geográficas, políticas e religiosas da Palestina (César Augusto e Tibério, Pôncio Pilatos, fariseus, saduceus, piscina de Betesda etc.), que supõem testemunhas oculares anteriores aos anos 70, uma vez que, nessa data, Israel foi totalmente ocupado e transformado pelos romanos.
- b)Os apóstolos e evangelistas falam a verdade sobre Jesus, pois, se mentissem, seriam logo desmascarados pelos adversários do Cristianismo, que não eram poucos na época da pregação oral e da redação dos textos sagrados. É verdade que alguns cristãos exageradamente piedosos imaginaram e registraram pontos apresentando um Jesus muito diferente do que Ele realmente era. Tais escritos, quase sempre lendários, não foram, ao menos em regra geral, reconhecidos pela Igreja e passaram a constituir a chamada literatura apócrifa (oculta ou não oficial).
- c)É difícil conceber que homens simples e rudes da Galileia inventassem um Messias tão fora dos padrões por eles conhecidos, o próprio Deus feito homem e crucificado, algo absolutamente impensável para os judeus. Aliás, o próprio São Paulo nota que essa pregação era escandalosa para os judeus e loucura para os gregos (cf. 1Cor 1,23). Portanto, só se entende tal pregação como refletindo a verdade por eles vivenciada, compreendida por Revelação Divina e plenamente manifestada em Jesus Cristo.
- d) Também não é possível pensar que esses mesmos homens simples pudessem dar a Jesus a dimensão intelectual, moral e psicológica com a qual Ele se apresenta.
- e)Reais precisam ser, por conseguinte, os milagres atribuídos a Jesus. Eles explicam por que o Senhor conseguiu tantos adeptos em pouco tempo. Sim, pois sua pregação era dura e muitas vezes chocava-se com o pensamento popular: numa terra dominada por estrangeiros, ensinava a amar os inimigos (Mt 5,43-44); num tempo em que o divórcio era comum em Israel, Jesus o proibia (Mt 16,24-26), etc.
Entretanto, o milagre decisivo para o Cristianismo é a Ressurreição corporal de Jesus. Se esta não fosse um fato histórico, mas simples fruto da fé da comunidade apenas, como ensinou, entre outros, o racionalista Rudolf Bultman (†1976), o Cristianismo estaria fundado sobre uma mentira, mentira que já dura mais de 2000 anos. Daí comentar, com precisão, o teólogo Dom Estevão Tavares Bettencourt, OSB, que, se todos estivéssemos enganados quanto à Ressurreição, esse engano “seria um autêntico portento, talvez ainda mais milagroso do que a própria ressurreição corporal de Jesus” (Curso de Iniciação Teológica. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2013, p. 31-32. Fonte dos tópicos de a a e).
Mais: a datação dos Evangelhos, fontes históricas escritas sobre Jesus, é, conforme bons autores, das últimas décadas do século I, como vimos. Ora, se não se põe em dúvida, sem mais, a existência histórica de Homero ou de Platão, cujos manuscritos distam séculos de seus respectivos autores, não se deve pôr em dúvida a autenticidade dos Evangelhos, redigidos poucas décadas após a morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Breve complemento: “Jesus histórico” x “Cristo da fé”
O “problema bíblico-teológico” que tenta distinguir o “Jesus histórico” do “Cristo da fé” fez correr muita tinta e envolveu diversos estudiosos a partir de 1920 em especial, mas se resume no seguinte: pelos Evangelhos como temos hoje, dizem eles, sabemos apenas o que as primeiras comunidades cristãs professaram sobre Jesus (o Cristo da fé), mas não quem Ele realmente foi e o que ensinou (o Jesus histórico).
Para saber, portanto, quem foi, de fato, Jesus, seria preciso – afirmam – “desconstruir” os Evangelhos montados pelos primeiros cristãos a fim de chegar à verdade. Ora, essa doutrina não se sustenta do ponto de vista lógico. Pois, se as melhores fontes que temos sobre Jesus são os Evangelhos e demais escritos do NT, em qual ou quais fontes esses estudiosos encontrariam dados para “passar a limpo” o NT? Não há tais fontes. E ainda: a diferenciação entre o “Cristo da fé” e o “Jesus histórico” se fundamenta em hipóteses mais ou menos gratuitas (“parece que, acho que, não tem cabimento” etc.). Não é fruto de sérias descobertas científicas.
Quem crê nos Evangelhos tem neles um só Senhor, da fé e da história. Daí escrever o Papa Bento XVI: “[…] eu confio nos Evangelhos. […] quis tentar representar o Jesus dos Evangelhos como o Jesus real, como o ‘Jesus histórico’ no sentido autêntico. Estou convencido, e espero que também o leitor possa ver, que esta figura é mais lógica e historicamente considerada mais compreensível do que as reconstruções com as quais fomos confrontados nas últimas décadas. Penso que precisamente este Jesus – o dos Evangelhos – é uma figura racional e manifestamente histórica…” (Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta, 2007, p. 17-18) – cf. ainda os argumentos das partes 1 e 3 desta Lição.
Fontes:
BETTENCOURT, Dom Estêvão; LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Curso Bíblico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2016, p. 51-68.
SAULNIER, Christiane; ROLLAND, Bernard. A Palestina no tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1983 (fonte válida no estudo dos quatro Evangelhos).
Questionário
- Que significa o termo Evangelho? Quantos são os Evangelhos canônicos? Quais são os sinóticos? Por que os chamamos assim?
- Que é um apócrifo? Que diferença há entre os apócrifos de origem cristã e os de raiz gnóstica?
- Sintetize as três fases didaticamente distintas na confecção dos Evangelhos.
- Apresente dois argumentos em favor da historicidade dos Evangelhos.
- Há seriedade para distinguir o “Jesus histórico” e o “Cristo da fé”? Explique.
Envio das respostas: Na folha, nome completo e telefone, pergunta enumerada e a resposta. Pode enviar no e-mail a seguir: if.savio@hotmail.com ou por correio: Curso Bíblico. Rua Barão de Campinas, 307, Centro. CEP 13900-110. Amparo, SP.
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Ir. Vanderlei de Lima e João Félix da Costa, coordenadores do Curso Bíblico