Prezado(a) irmão(ã), hoje tratamos de alguns temas oportunos para o bom prosseguimento deste estudo: as línguas originais da Bíblia, a divisão da Sagrada Escritura em capítulos e versículos, as grandes traduções e a forma de melhor entender a Escritura em seus sentidos, tipos e acomodação.
Sem dúvida, parecem assuntos complexos, mas, no final desta leitura, você irá compreender melhor a temática em questão. Coragem na caminhada!
1. Bíblia, uma “coleção de livros” em três idiomas
A Sagrada Escritura foi escrita em três diferentes idiomas: o hebraico, o aramaico e o grego.
No hebraico, foi escrita a maior parte do Antigo Testamento. Era uma língua que até o século X da nossa era não tinha vogais, de modo que, ao ler um livro, o leitor era quem, mentalmente, inseria, no texto, as vogais. Ora, isso causava dificuldades no modo de entender alguns termos, embora a mensagem divina não ficasse comprometida.
Assim, ao ver, por exemplo, a palavra qrn, alguns inseriram nela, corretamente, a vogal a, tendo o termo qaran (= brilhar); outros, porém, aí colocaram a vogal e, o que deu o vocábulo qeren (= chifres). Daí, algumas antigas traduções dizerem que Moisés tinha chifres, em vez de rosto brilhante (cf. Êx 34,29-30). Também era o hebraico uma língua pobre de palavras: ah significa irmão de sangue, tio ou primo ao mesmo tempo, bekor quer dizer tanto primogênito como bem-amado, conforme veremos, a seu tempo, neste Curso.
No aramaico, língua muito próxima do hebraico, foram redigidos Esd 4,8-6,18; 7,12-26; Dn 2,4-7,28; uma frase de Jr 10,11, duas palavras de Gn 31,47, além do Evangelho de Mt (disso trataremos ao chegar a esse evangelista). Jesus, de forma intensa, falou o aramaico, embora usasse também o hebraico e o grego (cf. G. Magnani. Jesus construtor e mestre. Aparecida: Santuário, 1998).
No grego, língua das pessoas cultas da época, se escreveu todo o Novo Testamento como temos hoje (o original de Mt em aramaico se perdeu), além de Sb, 2Mc e partes de outros livros do Antigo Testamento como 1Mc; Jt, Tb, algumas partes de Dn (3,24-90; 13-14) e os acréscimos de Est (10,4-16,24).
Já Eclo é um caso especial. Foi traduzido do hebraico para o grego (cf. Prólogo v. 15-35), mas o original se perdeu e só foi reencontrado nos séculos XIX e XX. O grego é, portanto, o texto canônico de Eclo. Como quer que seja, o grego do NT, chamado de Koiné, tem, em grande parte dos livros, o fundo semita ou hebraico.
2. Como foram divididos os textos bíblicos?
Por longo tempo, os textos bíblicos só eram separados por partes ou temas (as origens do mundo e da humanidade, o nascimento de Jesus, a vista dos magos, a morte de cruz etc.), mas não em capítulos e versículos como hoje. Estêvão Langton (†1228), arcebispo de Cantuária, foi quem dividiu, na Bíblia Latina, os livros em capítulos. Tal divisão passou também para o texto hebraico e grego e permanece até hoje.
Já a divisão dos capítulos em versículos se deve a Santes Paganino de Lucca (†1541). Para o NT, a distribuição foi refeita por Roberto Estêvão, em 1551, e é a que temos atualmente.
3. Traduções bíblicas: brevíssimo histórico
Duas clássicas traduções da Bíblia são a dos Setenta (LXX) e a Vulgata.
A dos Setenta é a passagem do AT hebraico para o grego, entre os anos 250 e 100 a.C., pelos judeus que moravam em Alexandria (Egito). Leva esse nome porque, segundo uma piedosa história, teria sido traduzida por setenta sábios que, isolados em setenta quartinhos diferentes, produziram o mesmo texto grego. Isso só poderia ter sido milagre.
A Vulgata data do século IV. Deve-se a São Jerônimo, que fez uma revisão do grego do NT nas traduções latinas então existentes e traduziu o AT diretamente do hebraico. Chama-se Vulgata por referência ao popular (vulgus,i = povo). Hoje, existe a Neovulgata com recursos linguísticos e arqueológicos que superam o bom trabalho de São Jerônimo.
4. Como interpretar corretamente a Sagrada Escritura?
A interpretação correta da Bíblia deve levar em consideração ser ela um livro divino-humano (cf. Curso 1, pois esperamos que você esteja arquivando o conteúdo).
Livro humano: requer estudo de história, linguística, hermenêutica etc. para não fazer a Escritura dizer o que ela não diz. Por exemplo, há quem afirme – por puro desconhecimento ou má-fé – que o Papa é a Besta de que fala o Apocalipse 13,18, porque a soma das letras latinas Vicarius Filii Dei (Vigário do Filho de Deus) dariam o número 666. Ora, isso é absurdo. O Apocalipse foi escrito em grego, não em latim, em linguagem simbólica devido à onda de perseguição aos cristãos. Daí, o número da Besta designar César Nero, imperador romano pagão. Seu nome, em grego, da direita para a esquerda dá 666 (N= 50 V= 6 R= 200 N= 50 R= 200 S= 60 Q= 100 = 666).
Livro divino: exige fé do leitor, de modo que há de se levar em consideração três fatores importantes: 1) o contexto total da Escritura: por exemplo, o AT fala que os mortos iam para o cheol (cf. Nm 16,32), mas, na evolução pedagógica da Revelação, o NT já demonstra a recompensa eterna (cf. Lc 16,19-31); 2) a interpretação deve ser condizente com a fé da Igreja organizadora da Bíblia; 3) a analogia da fé (cf. Rm 12,6): aqui, Jo 14,28 (“O Pai é maior que eu”) deve ser lido à luz de Jo 14,10-11 e 10,30 (passagens reveladoras da mesma natureza divina entre o Pai e o Filho). Cf. ainda o Catecismo da Igreja Católica n. 109-119 e Dei Verbum n. 12)
5. Sentidos bíblicos
Devemos dar muita atenção, no estudo, aos sentidos da Escritura. Dois são os principais.
O literal (não o literalista a tomar tudo ao pé da letra), que leva em conta a linguagem da época em que o texto foi escrito e o gênero ao qual pertence: Gn 1,1-2,3 é um hino litúrgico cujos detalhes (aparecimento dos seres, obra de seis dias, descanso de Deus etc.) não devem ser levados ao pé da letra, mas tidos como catequese: há um tempo para trabalhar e outro para descansar…
Já o sentido espiritual (não espiritualista subjetivo) é a chave para interpretar a Bíblia toda à luz de Cristo; n’Ele está o sentido pleno do AT como aparece no NT: a jovem que dá à luz, no tempo de Isaías (7,14), é uma personagem real daquele período, mas seu gesto só ganha plenitude ou se torna realmente entendível em Mt 1,23 ao tratar de Maria (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 11-119).
6. Tipos e acomodação, como entender?
Entendemos que Deus não fala apenas por palavras, mas também por pessoas, fatos, coisas que são imagens pálidas ou prefiguras de uma autêntica realidade futura. São os tipos bíblicos: o primeiro Adão, na Criação (cf. Gn 1-3), é tipo do segundo Adão (Cristo), na recriação (cf. Rm 5,14); a serpente de bronze (cf. Nm 21,4-9) é prefigura da Cruz de Nosso Senhor (cf. Jo 3,14-15); Melquisedeque, sacerdote no AT (cf. Gn 14,17-20), prefigura o único e eterno sacerdote da Nova Aliança, Jesus Cristo (cf. Hb 7,1-25); a ação da rainha Ester e de Judite, no AT, prefiguram a de Maria Santíssima etc.
Já por acomodação se entende o fato de aplicar determinada qualidade de um ser a outro. Por exemplo, o que cabe à sabedoria, em Eclo 24,18, se aplica à Virgem Maria, na Tradição cristã, como sede da verdadeira sabedoria, Cristo. Também Jr 15,18, ao falar da desolação, tem sido aplicado aos cristãos em suas dificuldades, provações etc.
Prezado(a) irmão(ã), esta lição pode conter pontos difíceis e muito sintetizados. Não se assuste nem desanime. Leia e releia tudo com atenção, responda ao questionário e, se preciso for, recorra a alguém que possa ajudá-lo perto de você ou a nós por carta ou e-mail.
Fontes para consulta:
BETTENCOURT, Dom Estêvão; LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Curso Bíblico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2016, p. 51-68.
CASTANHO, Dom Amaury. Iniciação à leitura da Bíblia. 5ª ed. Aparecida: Santuário, 2007, p. 15 e 23-26.
KONINGS, Johan. A palavra se fez livro. São Paulo: Loyola, 1999, p. 15-21.
Questionário
1) Em quantos idiomas a Bíblia foi escrita e quais são eles?
2) Quais as particularidades do hebraico bíblico?
3) Quem dividiu a Bíblia em capítulos e quem separou os capítulos em versículos? Qual o papel de Roberto Estêvão em tudo isso?
4) Que é Bíblia dos Setenta? Que é Vulgata?
5) Fale, de modo bem claro, sobre a Bíblia como livro humano e divino.
6) Como entender os sentidos literal e espiritual da Escritura? Que é tipo e acomodação?
Na próxima edição, iniciaremos o estudo dos Evangelhos.
Envio das respostas: Na folha, nome completo e telefone, pergunta enumerada e a resposta. Pode enviar no e-mail a seguir: [email protected] ou por correio: Curso Bíblico. Rua Barão de Campinas, 307, Centro. CEP 13900-110. Amparo, SP.
Leia o CURSO BÍBLICO (III)
Ir. Vanderlei de Lima e João Félix da Costa, coordenadores do Curso Bíblico