UMA CAMPANHA PROVOCADORA… (II)

Querida irmã e querido irmão, paz e bem!

Há alguns dias, com um texto intitulado “Uma Campanha provocadora… (I)”, desejei chamar atenção para a importância de um assunto muito propício à abordagem de um aspecto específico da nossa realidade brasileira que nunca deveria ser ignorado.

A iniciativa desse convite é da Igreja Católica, por ocasião do tempo de preparação à Páscoa, denominado Quaresma, em vista de um caminho de espiritualidade no qual a busca e a experiência do sagrado não sejam uma prática que desconsidere a necessidade de desenvolver a dimensão sobrenatural ou transcendental da pessoa sem “tirar os pés do chão”. Isso significa que não desenvolvemos o nosso “ser religioso”, se o objetivo for agradar o coração de Deus, quando nos comportamos de modo tão alheio ao ambiente que nos cerca, com os desafios que ele nos apresenta, não para termos a ilusão de um (a) “salvador (a) da pátria”, mas também não demonstrarmos um posicionamento de confortável omissão, diante do que está a nosso alcance oferecer para um mundo melhor. E isso, evidentemente, de maneira colegiada, sem vaidade e exibicionismo.

Não obstante a proposta seja da Igreja Católica, ela é destinada a todas as pessoas de boa vontade, porque a intenção não é proselitista, desejando cooptar mais fiéis, e sim oferecer, provocativamente, uma reflexão que favoreça desdobramentos que nos levem à construção de um país mais humano, justo, solidário, equitativo.

A Campanha da Fraternidade (CF) que, desde 1964, é oferecida como uma maneira de viver a espiritualidade quaresmal “tem como grande objetivo despertar a solidariedade dos fiéis em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos de solução à luz do Evangelho. (…) O Evangelho possui uma irrenunciável incidência social”. Estas afirmações fazem parte do texto-base que, como o próprio nome diz, facilita uma reflexão mais basilar do assunto em questão.

Constatamos nesse texto, ainda na introdução, conforme o parágrafo 5: “A realidade da educação nos interpela e exige profunda conversão de todos”. Trata-se de uma “verdadeira mudança de mentalidade, reorientação da vida, revisão das atitudes e busca de um caminho que promova o desenvolvimento pessoal integral, a formação para a vida fraterna e para a cidadania”.

Quanta coisa bonita e de grande valor na afirmação acima! Faz-me pensar que a pessoa só pode ser “mexida”, no sentido de uma transformação interior, ainda que lenta, mas contínua e progressiva, para algo novo, em vista de um permanente desenvolvimento de que tanto nossa sociedade necessita, em todos os sentidos, a começar do humano, se a educação for assumida com seriedade. Esse desafio é para todos: no mundo da política, da religião, do ensino escolar e universitário e, naturalmente, como base, na família.

“A educação é um indispensável serviço à vida. Ela nos ajuda a crescer na vivência do amor, do cuidado e da fraternidade”.

Penso que o aspecto “indispensável” da educação, realçado acima, numa afirmação presente no 6º parágrafo do texto-base da Campanha da Fraternidade, deveria intrigar a todos nós. Até que ponto “investimos” na educação? Não se trata apenas de disponibilidade de recurso econômico, sem, obviamente, desconsiderar a importância deste, até mesmo porque, observando grande parte da nossa realidade nacional, não há como não verificar o quanto é lastimoso o cenário da educação e que, indiscutivelmente, escancara ainda mais a nossa gritante e vergonhosa desigualdade social.

Quando, porém, uso o termo “investimento”, faço-o no sentido de todos nós, de fato, questionarmo-nos quanto ao nosso papel, à nossa missão de educador e educadora, ao mesmo tempo de nunca deixarmos de nos colocar na ininterrupta aventura das infinitas experiências da vida com a preciosa humildade de um educando e uma educanda. Infelizmente, esta não parece ser a prática comum, num ambiente tão “deseducado”, presente no universo político, empresarial, religioso… e até familiar, observando que a busca da fama, do status, do poder e do dinheiro, na preponderância do “ter” sobre o “ser”, na arrogância e na prepotência, no orgulho e na soberba, na ganância desenfreada e na vaidade exacerbada, ofuscam, mancham e deturpam o autêntico valor da educação.

Finalizo com uma citação do Papa Francisco, num documento nomeado Carta Encíclica Laudato Si’ (ver nota de rodapé), no qual ele trata sobre o cuidado da Casa Comum, como chama todo o planeta que habitamos. Esta afirmação do papa é contemplada no texto-base da CF: “a educação será ineficaz e os seus esforços estéreis se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza” (nº 215).

Acredito, pois, que cada uma ou cada um de nós não pode, com coerência ou verdadeira autoridade, debater sobre a educação, em qualquer lugar social em que nos encontramos, se não refletirmos sempre, primeiramente a nível pessoal, se o nosso comportamento, nossas opções cotidianas, em numerosas pequenas coisas, contribui, realmente, para a construção desse “novo modelo”.

Dom Luiz Gonzaga Fechio

Bispo diocesano de Amparo

 

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Encíclica é um texto pelo qual o papa se comunica com toda a Igreja, mas também não só aos católicos, e sim a todos os homens e mulheres de boa vontade, quando trata de questões sociais, econômicas e políticas. “Laudato Si’” significa “Louvado sejas”, fazendo referência a uma belíssima oração de São Francisco de Assis, chamada “Cântico das Criaturas”, que facilmente podemos encontrar na internet, assim como o texto da encíclica, publicada em 24/5/2015, disponível no site do Vaticano em 15 idiomas.

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