Prestes a completar um ano de minha vinda para os Estados Unidos, chega naturalmente o momento de olhar para trás e avaliar tudo o que Deus me permitiu experienciar nesse tempo. Todas as dificuldades, alegrias, novidades, amizades, percalços e vitórias que experimentei nesse tempo me moldaram em uma pessoa muito mais madura e confiante da minha vocação.
Deixei minha família e amigos no Brasil no dia primeiro de janeiro de 2018, no meio da nossa reunião de ano novo, com todos reunidos para celebrar mais um ano. Eu sabia que esse seria um ano diferente, mas a excitação da aventura que Deus tinha reservado para mim deu lugar a uma tristeza e um vazio imenso quando chegou a hora da despedida e tive que abraçar meus pais e irmão sem saber quando os veria de novo. Existia sim a alegria por viver o novo que Deus tinha para mim, mas havia no meu coração também o humano medo diante do desconhecido.
Deixei minha mãe, pai, irmão, familiares e amigos, meus irmãos de seminário, todas as minhas seguranças e entrei naquele avião sabendo que tudo estava preparado com antecedência por Deus e que, se Ele, mais uma vez, me pediu para deixar para trás tudo o que eu mais amava, é porque tinha algo muito maior preparado. Depois de quase 15 exaustivas horas, entre os aeroportos de São Paulo, Bogotá e Orlando, finalmente cheguei no pequeno aeroporto de Latrobe, a cidade onde está o mosteiro e colégio Saint Vincent no estado da Pennsylvania. Quando olhei pela janela e vi um mundo coberto de neve, parecendo aquelas cenas que vemos nos filmes de Natal, bateu a certeza de que estava longe de casa, que aquele não era o lugar onde cresci. Quando desci do avião era mais ou menos uma da manhã. Encontrei na sala de desembarque Dom Martinho, um monge do mosteiro de São Bento em Vinhedo que tinha conhecido poucos mesmos antes da viagem e padre Chad, um monge de Saint Vincent. A calorosa acolhida dos dois foi como um abraço de Deus me dizendo: fica tranquilo, vai ficar tudo bem.
A adrenalina estava correndo pelas minhas veias e mal pude dormir naquela noite. Perguntei sobre os horários de oração e missa na manhã seguinte, mas me disseram para descansar, pois eu deveria estar exausto. Insisti que queria participar da oração da manhã e da missa e me disseram que o sino iria tocar dez minutos antes da oração. Tentei dormir, mas foi impossível. Na manhã seguinte era tudo estranho e novo. Depois da oração e da missa, muito solenes, com som divino do órgão e músicas cantadas pelos monges, precisei colocar meu pobre inglês em prática para me apresentar e falar com as pessoas. Confesso que não entendi muito. Quando falavam comigo eu apenas acenava a cabeça e sorria, torcendo para que não fosse uma pergunta.
Como um pai muito atencioso Dom Douglas Nowicki, o abade de Saint Vincent, quis ter certeza de que eu tinha tudo o que precisava nessa fase de adaptação. Na segunda semana eu já estava participando do meu primeiro retiro com os monges e conhecendo pessoas que mudariam minha história para sempre. Lembro particularmente desses dois monges que estão em discernimento para a profissão solene, irmão Cassian e irmão Barnabas. Foram os primeiros monges que conheci quando cheguei em Saint Vincent. Fizeram questão de me acolher com um abraço, de estar comigo cada momento do retiro para explicar como tudo funciona aqui e pra me ajudar a me adaptar à nova realidade. Hoje os dois são grandes amigos que tenho aqui e Deus fala muito comigo através da vocação dos dois.
São tantos os momentos vividos em tão pouco tempo que, se fosse relatar um por um, receio que esse texto se estenderia demais. Mas sinto que essas oportunidades de estar estudando e realizando parte do meu discernimento em um outro país é um imenso cuidado de Deus com a minha vocação, me ajudando a abrir a mente e o coração para novas realidades, a ser mais receptivo ao diferente e me chamando a sair da minha zona de conforto a cada momento, indo em direção ao outro.
Sempre, em cada desafio que encontrei aqui, Deus colocou pessoas especiais no meu caminho que não mediram esforços para fazer com que eu me sentisse amado e protegido. O começo das aulas foi particularmente difícil, pois o temor de ter aulas em outro idioma, em um sistema totalmente diferente daquele ao qual estava acostumado, certamente me trouxe receio, porém os professores foram e são extremamente preparados para lidar com alunos de diferentes nacionalidades e estão sempre dispostos a esclarecer o que for necessário. Ter aulas no período da manhã e da tarde, e alguns dias à noite, é cansativo e exige muito, ainda mais em um outro idioma, porém tem sido muito gratificante e enriquecedor saber que estou tendo uma boa formação e construindo uma base sólida para, se assim for da vontade de Deus, um dia eu me tornar sacerdote, e contribuir com a minha diocese na formação do povo de Deus.
Saint Vincent é um lugar definitivamente especial. Tenho a maravilhosa oportunidade de, apesar de ser um seminarista diocesano, viver no mosteiro e poder experimentar as belezas da vida monástica. Tenho aprendido muito com a espiritualidade beneditina do “Ora et Labora”. Meus irmãos monges têm me ensinado a cultivar mais o silêncio, a me dedicar mais às minhas tarefas diárias, a buscar sempre o equilíbrio entre vida de oração, estudos e lazer e a sempre acolher como Jesus a todos os encontros diariamente. Viver no mosteiro tem me ensinado a amar e respeitar a vida religiosa, ao mesmo tempo em que tem ajudado a confirmar minha vocação diocesana.
Minha experiência no seminário Saint Vincent também tem sido muita rica. Tenho experienciado diferentes tipos de liturgia, cânticos, formas de celebração e me encantado com a riqueza e beleza da Igreja em sua universalidade. Conviver com pessoas de diferentes regiões e países também é um desafio enriquecedor. Temos em nosso seminário estudantes de diversas dioceses dos Estados Unidos, como Pittsburgh, Erie, Covington, Metuchen, Altoona-Johnstown, além de países como China, Vietnã, Coreia, Líbano, Venezuela, Bolívia e México. É uma rica e frutuosa relação que a cada momento nos convida a assumir o lugar do outro, a aprender com as diferentes culturas e a entender melhor os desafios da evangelização no mundo.
A experiência de estudar na cidade de Pittsburgh durante as férias de verão também foi ímpar. Encarar os desafios de uma grande diocese em um país de maioria não católica e com um número de padres longe do mínimo necessário, me fez perceber como cada vez mais é necessário rezar pela santificação e aumento das vocações. Estar em Pittsburgh em um momento tão delicado para a Igreja dos Estados Unidos e especialmente para essa diocese, é mais um sinal de Deus para que não cessemos de pedir pela Igreja e pelos desafios e ataques que ela sofre ao redor do mundo.
Tenho também a graça de todas as quartas-feiras fazer meu estágio pastoral em Clelian Heights, uma escola para jovens excepcionais. Estar com meus amados alunos nessa escola me mostra a pureza do amor e como somos chamados a estar diante das mais diversas realidades. Esses jovens e suas famílias poderiam se rebelar contra Deus e se sentirem preteridos, mas, muito pelo contrário, sempre nos recebem com largos sorrisos, partilham suas vidas com entusiasmo e nos dão uma injeção de ânimo toda vez que estamos lá.
Só tenho a agradecer tudo o que Deus tem realizado na minha vida nesse processo vocacional. Seja no Brasil ou nos Estados Unidos, por nenhum minuto me senti desamparado ou abandonado. Crises acontecem, com toda a certeza, mas Deus sempre tem um jeito todo especial de acalmar meu coração e falar no meu íntimo mostrando que tudo está sob controle. Agradeço ao meu bispo Dom Luiz e aos formadores da minha diocese pela confiança de permitir que eu trilhe essa etapa da minha vocação longe da minha diocese e à Saint Vincent, na pessoa do abade Dom Douglas, por fazer-me sentir em casa e tratar-me como parte da família.
Acredito que uma conversa que tive com um estudante esta semana resume bem a minha caminhada. Ele me perguntou: “Do que mais você sente falta do Brasil e o que mais você gosta aqui?” Depois de refletir um pouco eu respondi: o que mais sinto falta do Brasil é da minha família, minha mãe, meu irmão, meu pai, meus amigos; e o que mais gosto nos Estados Unidos são as pessoas, que se tornaram minha família, pai, mãe, irmão, amigos. Deus se manifesta de diversas formas, mas a forma que eu mais gosto é quando Ele fala comigo através das pessoas. A questão não é sobre o lugar, Brasil, Estados Unidos, Amparo, Latrobe, mas é sobre pessoas, sobre vidas e histórias que cruzam nossa vida todos os dias e nos dão a oportunidade de ensinar e aprender algo. Temos a oportunidade de encontrar e entregar Jesus através de nossos gestos e palavras. Jesus era um especialista em olhar nos olhos e falar aos corações, e assim ele tem feito comigo todos os dias.
John Stefane Galiza Torres, seminarista da Diocese de Amparo nos EUA