No início do Evangelho de João, nos deparamos com um problema que, muitas vezes, assola nosso coração quando um dos discípulos pergunta a Jesus: “Rabi, onde moras?” (Jo 1, 38). Diante desse questionamento, somos provocados a pensar os diversos momentos da vida em que nos encontramos em busca de uma resposta. Há algum tempo, vinha perguntando a Deus sobre o real sentido dessa colocação. Em contrapartida, Ele me provocou chamando-me mais uma vez, usando a mesma resposta dada aos discípulos no Evangelho: “Vinde e vede” (Jo 1,39).
No início da minha trajetória no Seminário, em 2014, primeiro ano do curso de Filosofia, me deparei com uma proposta de missão nos estados do Norte e Nordeste, mas devotado ao meu comodismo excluí de imediato essa pretensão. Contudo, no decorrer do percurso de minha vida, buscando maior abertura no que diz respeito à minha relação com Deus, passei a perceber que minha resistência não contribuía para a realização plena dos planos do Senhor, pois aquilo que estava sendo ofertado não era meu tudo, mas sim o pouco que me restava.
Ao compartilhar dos ensinamentos do Padre André Ricardo Panassolo, ao contar a nós, seminaristas, sobre sua experiência em terras amazônicas, foi que ouvi pela primeira vez o meu “Vinde e vede”. Foi nesse momento que entendi não poder permanecer em minha zona de conforto, que não poderia entregar a Deus e à Igreja o resto, e que faz parte do compromisso com minha vocação entregar-me inteiramente, sem reservas, nas mãos Daquele que me chama.
Vi que Deus usou das pessoas para preparar-me uma experiência fantástica; por meio do Padre André, do Bispo da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, Dom Edson Taschetto Damian, demais padres, seminaristas, em especial o seminarista Adriano, e de todos os membros da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, as atividades me revelaram a vida sofrida do povo e também da Igreja naquela distante região. Posso dizer que o resultado maior de uma experiência missionária em terras amazônicas é o valor que passamos a dar ao que temos, pois aquelas pessoas possuem pouquíssimos recursos, material e espiritual, porém sabem dar aula de como ser feliz. Fiquei encantado com as crianças, que têm como principal brinquedo o rio, e ainda assim têm o sorriso e a alegria mais sinceros que já vi. Há entre todos o espírito de fraternidade, pois, mesmo tendo muito pouco, a gratidão abre às pessoas a partilha do quase nada. Enfim, existem dificuldades naquelas terras que ninguém conseguem revelar integralmente, como também a partilha de missionários (nem tampouco a minha); somente vendo, somente convivendo, conseguimos entender o quanto temos e o quanto podemos dar.
O Senhor me chamou, me levou a águas mais profundas, me tirou do comodismo, me fez dormir um uma rede, me tirou a energia elétrica (e o celular, instrumento que imaginava não viver sem), o chuveiro quente, os alimentos a que estou acostumado; assim, me levou ao coração da Amazônia para que eu tivesse o meu coração transformado, para que eu pudesse abraçar minha vocação entendendo que existem pessoas que têm muito menos materialmente, muito menos condições de vida digna, porém portadoras de muito mais fé.
Algo que pude partilhar com meus irmãos, sintetizando bem o que foi essa experiência missionária nesses quinze dias, foram os sentimentos de alegria e tristeza que lutaram de um modo ferrenho em meu coração: inúmeros momentos em que eu sorria, encantando-me com a beleza paradisíaca da Amazônia, com a bondade terna do povo indígena, com a alegria das crianças ou mesmo com o simples fato de experimentar uma cultura diferente; porém, em outras vezes, o choro se fazia presente dada a miséria excessiva, os vícios (especialmente do álcool) que assolam o povo pelo descaso para com os mais necessitados por parte dos governantes. Enfim, os sentimentos se revezavam com muita frequência, mas um em especial me marcou muito e jamais será esquecido: a gratidão. Primeiro a Deus, que me revelou autenticamente a realidade evangélica: “onde moras?”; ao meu Bispo, Dom Luiz, e a toda equipe de formadores da nossa Diocese, em especial meu reitor, Padre Edson, por me encorajar e ajudar a cumprir essa missão; aos meus pais, aos meus amigos e a todos aqueles que rezaram por mim, serei eternamente grato. Nessa missão, me encontrei-me com Deus em sua morada, em meio aos pobres e desvalidos, embora também já O tivesse encontrado aqui, junto a cada um que convive comigo.
Concluindo, afirmo que vale a pena se submeter aos planos de Deus, vale a pena encarar o que estiver no caminho para realizar os desejos do Senhor; assim, toda vez que o medo vier ao nosso encontro, lembremo-nos dos discípulos em alto mar ao avistar Jesus sobre as águas, pois diante do medo deles a resposta de Cristo foi: “Tranquilizai-vos, sou eu. Não tenhais medo” (Mt 14, 27). Ele está conosco e quer nos mostrar onde mora.
Gustavo Borges Compaci, seminarista do segundo ano de teologia