“Cultivar a vida”.
Ao pensar numa ideia que eu poderia trabalhar um pouco meu raciocínio para este breve texto, veio-me esta. Os dois substantivos são importantes, a meu ver: “cultivo” e “vida”, no entanto, chamou-me mais atenção o termo cultivo.
É evidente que a vida está presente em cada pessoa, pelo simples fato de se poder constatar qualquer indício ou sinal que expresse uma realidade de que ela não está morta, ou seja, a não-morte, por si só, caracteriza a vida. E isto vale também para os demais seres do reino animal e vegetal.
Quando observamos, porém, o que acontece ao nosso redor, percebemos, infelizmente, que a compreensão em torno do sentido da palavra vida está cada vez mais confusa, e, até podemos dizer, com maior gravidade, assustadora. Cada pessoa se dá o direito de entender a vida da maneira que quer, isto é, que mais lhe convém, conforme seus interesses muito subjetivos e, com grande risco, egoístas.
Então, é esta vida que todos têm, considerando-a apenas do ponto de vista biológico ou físico, que deixa muito a desejar, quando se passa a uma abordagem mais ampla, que envolve todos os aspectos a serem contemplados.
Todo ser humano que tem consciência do valor da sua existência deseja não apenas existir, mas viver, pois a vida vai muito além de movimentos incontáveis de um corpo sem qualquer conexão com toda uma realidade à sua volta, de inumeráveis expressões de outros corpos.
Refletindo tudo o que nossos olhos e ouvidos, e até mesmo nossas narinas, podem captar, percebemos com indiscutível clareza que o sentido da vida necessita de contínua avaliação, em vista de proporcionar o que todos têm direito.
Se temos consciência que não somos proprietários da vida, mas administradores, e se acreditamos que ela é dom de Deus, é muito importante aproveitarmos a oportunidade que o tempo da Quaresma nos proporciona para mexer na “terra” do nosso coração e fertilizá-la com tantas iniciativas que a Igreja, pela própria Palavra de Deus, nos sugere, tornando, dessa forma, a vida mais fecunda.
É aqui que está a beleza e o valor do cultivo, necessário em estado permanente, no “canteiro” interior de cada pessoa, pois, como bem sabemos, inúmeras “pragas” ameaçam, todo tempo, o êxito desse precioso esforço. Não podemos, porém, nos esquecer que esse trabalho pessoal, consigo próprio, não é para si próprio. O benefício da colheita a ser conquistado acontece somente quando o próximo, principalmente no irmão ou na irmã mais vulnerável, ganha mais dignidade e, consequentemente, qualidade à sua vida, em qualquer sentido.
Nesses dias – e, ao que parece, por várias semanas, talvez até meses à frente – estamos todos nos sentindo vulneráveis, pela pandemia do coronavírus e, de certa forma, forçados a admitir o quanto somos frágeis, o que, aliás, as cinzas, no início da Quaresma, nos recordam sempre: “lembra-te que és pó, e para o pó voltarás”.
Curvemo-nos, pois, diante da Cruz d’Aquele que mostrou, perfeita e plenamente, que a vida é dom e compromisso, como nos lembra a Campanha da Fraternidade, e reconheçamos, humildemente, a necessidade sempre atual de uma conversão, constatando com sinceridade que o nosso egoísmo, nossa ganância, nossa indiferença têm provocado inquestionável vulnerabilidade da vida, como um todo. Aproveitemos, portanto, este tempo, para nos ocuparmos mais decididamente pelo cultivo da vida.
Dom Luiz Gonzaga Fechio