SÉRIE FORMATIVA | PARÁBOLAS DA MISERICÓRDIA

12823421_964533223595856_2629082697787163628_oEstamos vivendo com intensidade este Ano Jubilar da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco para toda a Igreja. Chamados a redescobrir a ação misericordiosa de Deus na vida da Igreja, na vida pessoal de cada fiel e no mundo, vamos lançar aqui, um instrumento de formação dirigido a todos os que quiserem se aprofundar mais no tema sobre a Misericórdia, por meio de Jesus, Nosso Senhor.

Este meio de formação se configura na análise e comentário das chamadas Parábolas da Misericórdia, publicada pelo Conselho Pontifício para a Nova Evangelização, que será disponibilizado, no nosso site diocesano. Este trabalho do referido Conselho é senão atender ao apelo do Papa Francisco que na Bula Misericordae Vultus, incentivou a cada fiel a meditar as mensagens contidas nas parábolas de Jesus, sob a face da Misericórdia.

Com estes textos que a partir de agora você terá acesso, se sinta convidado(a) a se debruçar sobre as parábolas da Misericórdia e que a meditação delas nos favoreça viver com maior empenho este Ano Jubilar da Misericórdia.

Serão postados de forma semanal, com a seguinte estrutura:

Introdução – Jesus, a misericórdia e as parábolas;

Parábola I – Aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama: os dois devedores (Lc 7, 36-50);

Parábola II – A compaixão de um estrangeiro: o bom samaritano (Lc 10, 25 – 37);

Parábola III – À procura da ovelha perdida e da moeda encontrada (Lc 15, 1-7);

Parábola IV – Uma compaixão excessiva: o pai misericordioso (Lc 15, 11-32);

Parábola V – O contrário da misericórdia: o rico anônimo e o pobre Lázaro (Lc 16, 19-31)

Parábola VI – Como muda o coração de Deus? O juiz e a viúva (Lc 18, 1-8)

Parábola VII – Quem é justificado por Deus? O fariseu e o publicano no Templo (Lc 18, 9-14)

Se você é um agente de pastoral poderá ainda utilizar estes textos também para a reflexão com outras pessoas que com você trabalham na missão evangelizadora da Igreja.

Pegue sua Bíblia, leia a passagem da parábola e reze. Tenha bons frutos!

 

Pe. Anderson Frezzato – Coordenador Diocesano de Pastoral

 

INTRODUÇÃO

 JESUS, A MISERICÓRDIA E AS PARÁBOLAS

             “Sejam misericordiosos, como o Pai de vocês é misericordioso” (Lc 6,36) é uma das afirmações mais audazes de Jesus. Que Deus Pai era misericordioso, o povo hebreu bem o sabia; era problemático pensar que os seres humanos pudessem ser como Ele. Poderá alguém ser misericordioso como o nosso Pai do Céu? E por que motivo se deverá ser como Ele? O “evangelho da misericórdia”, como é definido o texto de São Lucas, narra a vida de Jesus escolhendo a misericórdia como principal fio condutor.

            Antes de falar dela, Jesus fez tocar e ver a misericórdia, Um dos seus primeiros milagres foi em favor de um leproso por quem teve compaixão, estendeu a mãe e tocou – o (cf. Mc 1,41). Movido de compaixão, Jesus não tem medo de se infectar. O grito do cego de Jericó é mais forte do que o de quem o obriga a calar-se: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim […]” (Lc 18,38)

            Os seus encontros com os doentes e os pecadores estão plenos de misericórdia. Pela compaixão, liberta uma prostituta destinada à lapidação (Jo 8,11). O modo pelo qual se deixa tocar por uma pecadora repugna Simão, o fariseu (Lc 7,36-50). Jesus não fala da misericórdia de modo abstrato, e mais do que a definir, narrou-a através de Parábolas. Que parábolas? Por que, como e para quem a misericórdia em parábolas?

 

1 – Que parábolas da misericórdia?

            Para quem tem a familiaridade com a Bíblia, “as parábolas da misericórdia” evocam as três narrações de Lucas 15,1-37: a ovelha perdida, a moeda encontrada e o filho pródigo. Na realidade, a misericórdia é aprofundada também noutras parábolas de Jesus: os dois devedores (Lc 7,41-43), o bom samaritano (Lc 10, 29-37), o rico e o pobre Lázaro (Lc 16,19-31), o juiz injusto e a viúva insistente (Lc 18,2-14), o fariseu e o publicano no Templo. (Lc 18,10-14).

            São oito as parábolas de Jesus que, a partir de vários pontos de vista, tocam a misericórdia no terceiro Evangelho. Sete delas foram contadas durante a viagem de Jesus para Jerusalém (Lc 9,51-19,46). Somente a breve parábola dos dois devedores (Lc 7,41-43) foi narrada durante a sua pregação na Galileia. Porque, no Evangelho de Lucas, a grande viagem é mais interior do que física, foi necessária uma ação tão difusa sobre a misericórdia. A misericórdia não é uma virtude natural, que depende do caráter de uma pessoa – quem tem uma boa índole será mais misericordioso do que os outros -, mas, antes, uma disposição interior que amadurece estando junto de Jesus: a misericórdia aprende-se com a consequência! Naturalmente, nem todas as parábolas de Jesus abordam a misericórdia, nem esta é comunicada somente em parábolas. As parábolas da misericórdia, todavia, merecem um espaço distinto: a exortação a sermos misericordiosos, como é misericordioso o Pai celeste, é a sua geral chave de acesso.

 

2 – Por que em parábolas?

            Porque falar da misericórdia em parábolas e não servir-se de outros instrumentos de comunicação? E por que tantas parábolas sobre a misericórdia? Não bastaria a parábola do filho pródigo ou, como se prefere denominá-lo hoje, do “pai misericordioso”? Ao elogio da caridade, da sapiência, podia acrescentar-se o da misericórdia. Pensando bem, se deve ser misericordioso como (e porque) é o Pai do Céu, é impossível falar da misericórdia distinguindo-a das pessoas que a vivem ou a ignoram. Se Jesus prefere narrar a definir a misericórdia, e lógico que terá as suas razões, que aqui procuraremos evidenciar.

 

2.1 – O espelho da vida

            As parábolas de Jesus, incluindo as da misericórdia, estão ligadas à vida e interpretam-na.  Seria errado pensar que, depois de ser ler uma parábola sua, esta se deve interpretar. Pelo contrário: as parábolas interpretam a vida de cada um e a questionam!

            A parábola dos dois devedores (Lc 7,41-43) inspira-se na situação embaraçosa na casa de Simão, o fariseu: Jesus deixa-se lavar e beijar os pés por uma pecadora. A parábola ilustra que o devedor a quem se atribui a maior soma de dinheiro é mais grato ao credor do que aquele que tem uma quantidade menor a devolver. Se a pecadora lava os pés de Jesus é porque Ele lhe perdoou o pecado e porque foi perdoada para lhe lavar os pés.

            As três parábolas da misericórdia por definição (Lc 15,1-32) partem do fato de que Jesus come com os pecadores. Ora, elas esclarecem e impõem a quantos o criticam que repensem os seus juízos. A presunção de quem considera que se é exaltado perante Deus porque se vive no mundo (Lc16,15) oferece a oportunidade para a parábola do rico e do pobre Lázaro. A parábola do juiz injusto e da viúva insistente (Lc 18,2-8) explica a importância da oração: se é constante, é também capaz de mudar o coração de Deus. A parábola do fariseu e do cobrador de impostos no Templo (Lc 18,10-14) nasce da presunção de alguns que desprezam os outros para se exaltarem.

            Nas parábolas de Jesus, é a vida real que se espelha: a da sua relação com Deus e com os pecadores. Por isso, as personagens das parábolas são anônimas e os ambientes onde atuam estão desfocados. Qualquer ouvinte sente-se envolvido nas parábolas de Jesus e nelas se reflete com uma verdade enternecedora, forçando-o a repensar-se nas relações que tece quotidianamente.

 

2.2 – Ele, eu e o outro

            Se a realidade da vida se espelha nas parábolas de Jesus, todas as da misericórdia são contadas segundo uma relação triangular. Convencionalmente, podemos falar de “ele, eu e o outro”. Em cena estão dois devedores e um credor; um sacerdote, um levita e um samaritano; o pastor com cem ovelhas, das quais uma se perdeu, mas foi encontrada; uma dona de casa com dez dracmas, uma das quais perdida e depois achada; um Pai e dois filhos, um dos quais morreu e regressou à vida; um anônimo rico,  Lázaro e Abrão; um juiz injusto, Deus e uma viúva; um fariseu, um cobrador de impostos e Deus no Templo.

            Porque nos evangelhos se encontram também as parábolas que insistem num único elemento, como a do grão de mostarda que cresce por si mesmo (Lc13,18-19), um dos dois interlocutores, como a da massa levedada e do fermento de farinha (Lc 13,20-21), o triângulo relacional nas parábolas da misericórdia é intencional. O esquema veicula um conteúdo essencial: a misericórdia de Deus não se decreta sozinha, nem somente através de uma relação entre mim e Deus, mas refere-se sempre às relações entre pessoas. “Sejam misericordiosos como (e porque) o Pai de vocês é misericordioso” (Lc 6,36) é a viga mestra da misericórdia nas parábolas.

 

2.3 – O reverso da medalha

            As parábolas da misericórdia não dão nada por certo, porque têm em vista o reverso das situações. Levam os ouvintes a questionar-se porque apresentam soluções contrárias e inesperadas de que ninguém está à espera.

            Perante a pergunta de Jesus sobre qual dos dois devedores amará mais o seu credor, Simão responde: “Suponho que é aquele a quem ele perdoou mais” (Lc 7,43). Assim o justifica, sem querer, a pecadora que lava os pés de Jesus. Se a questão de quem é o próximo a amar motiva a parábola do bom samaritano (Lc10,29), o que se segue obriga o doutor da Lei a fazer-se próximo de todos (Lc 10,36), imitando quem teve compaixão do moribundo. Contrário à lógica mais evidente é deixar noventa e nove ovelhas no deserto para procurar uma perdida, arriscando-se o pastor a ficar sem o rebanho (Lc15,4-7). A parábola do pai misericordioso perturba-nos quando refletimos sobre as situações dos filhos. Aos mais novo, que pede ser tratado como um dos seus assalariados, o pai concede a dignidade de filho. E perante o mais velho, despreza o mais novo com um constante “esse seu filho” (Lc 15,30), responde invertendo a relação: “Esse seu irmão […]” (Lc 15,32). Angustiante é a mudança entre o rico e o pobre Lázaro: o primeiro gozou dos seus bens durante a vida, o segundo é consolado na eternidade (Lc 16,25). Se um juiz injusto escuta depois de muita insistência as petições de uma viúva, Deus escuta rapidamente as dos seus eleitos (Lc18,7). A diferença de comportamento que se verifica entre o fariseu e o publicano no Templo é inconcebível: o primeiro reza durante longo tempo, lembra as suas boas obras, mas não é reconhecido; o segundo assume-se como pecador e volta para a casa reconhecido sem fazer qualquer sacrifício de expiação (Lc18,14).

            Tudo é invertido, como uma pirâmide virada ao contrário! As parábolas da misericórdia abalam os ouvintes porque o agir de Deus que nelas transparece derruba qualquer certeza adquirida e obriga a rever o próprio modo de pensar Deus e de considerar Jesus.

 

2.4 – Do olhar interior, a misericórdia

            A questão da misericórdia é uma questão de coração que, porém, não deveria ser confundida com sentimentalismo. O coração é, para a Bíblia, a sede do pensamento, das decisões mais íntimas. Por isso, “ter compaixão” ou misericórdia equivale a um momento interior das vísceras que do íntimo nos levam a aproximar-nos do outro. Se excluímos as parábolas mais breves, como a dos dois devedores, da ovelha perdida e da moeda encontrada, nas parábolas mais articuladas, o ponto de mudança dá-se no coração humano.

            A compaixão por um moribundo, negada por um sacerdote e um levita, encontra-se num samaritano: “chegou junto dele, viu e se encheu de compaixão” (Lc 10,33). A compaixão colocou asas nos pés do pai misericordioso: Ele ainda estava longe, quando seu pai o viu. Encheu-se de compaixão” (Lc 15,20). Ainda que tenha sido obrigado a isso devido à fome, se o filho mais novo não tivesse caído em si, não teria decidido voltar ao lar paterno, somente quando o juiz injusto fala consigo mesmo é que decide fazer justiça à viúva (Lc 18,4). A oração arrogante do fariseu contrasta com a intimidade do publicano: “Ó Deus, tem piedade de mim, pecador” (Lc18,13).

            A beleza das parábolas da misericórdia encontra-se num coração humano aberto: descobre-se pelo grau de compaixão que demonstra para com o próximo. Estamos longe de uma misericórdia barata, em benefício de uma que gera e mede a paixão entre seres humanos com a de Deus. Onde falta a disponibilidade de olharmos bem para dentro de nós mesmos, aí não existe misericórdia; resta apenas o disfarce de um homem rico, vestido de púrpura e de linho caríssimo, mas incapaz de olhar para o pobre Lázaro, que jaz abandonado à frente do portão da sua casa (Lc 16,19)!

 

3 – A quem se dirigem as parábolas da misericórdia?

            A misericórdia de Deus é para todos, mas é para pessoas bem precisas. Os destinatários das parábolas são de dois tipos: os internos e os externos, que as escutam. Os dois devedores, perdoados pelo seu credor, envolvem Jesus, Simão e a pecadora! Se no início da parábola do bom samaritano o moribundo é destinatário da compaixão, no final o próximo é o próprio samaritano. Por isso, o doutor da Lei é exortado a fazer-se próximo do outro. Na mesma situação da ovelha e da moeda encontradas estão os pecadores, ao passo que os fariseus e os escribas parecem partilhar a sorte das noventa e nove ovelhas deixadas no deserto, e das nove moedas que foram deixadas em segurança (mas nem tanto!).

            A parábola do pai misericordioso é atravessada pela compaixão e pela súplica que o pai faz pelos dois filhos. Desta vez é mais difícil convencer os fariseus e os escribas porque são pessoas conscientes, ao contrário das ovelhas e das moedas. Enquanto o pobre Lázaro é levado pelos anjos para o seio de Abraão, o rico não vê atendimento nenhum dos seus pedidos. Os que gostam muito de dinheiro não se iludam pensando que o seu alegre estilo de vida vai continuar no além. Se a viúva é destinatária de uma misericórdia que o juiz injusto lhe decide conceder, muito mais Deus escuta os seus eleitos. Um é justificado porque se reconhece pecador, mas não o fariseu que se exalta. Quem se exalta desprezando os outros tem algo para refletir perante uma parábola tão fulgurante.

            A escolha, para os pecadores, não é ditada pelo populismo, nem por uma revolução social, mas porque Jesus escolhe os últimos para envolver os primeiros. Caso contrário, é fácil ceder a uma misericórdia para poucas pessoas, que viaja sobre o binário do mérito, e não sobre o da graça.

            Imponente é a ponte que liga a primeira e a última parábola da misericórdia: a primeira é contada na casa de Simão, o fariseu, enquanto uma pecadora lava os pés a Jesus (Lc 7,42-43); a última faz entrar em cena um fariseu e um cobrador de impostos que reconhece pecador (Lc 18,9-14). As parábolas da misericórdia não deixam ninguém indiferente: envolvem os ouvintes no íntimo e fazem-nos entrar na narrativa.

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