SÉRIE FORMATIVA | PARÁBOLAS DA MISERICÓRDIA

parábola 1Parábola I – Aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama: os dois devedores (Lc 7, 36-50)

A breve parábola narrada em Lc 7, 41-43 ilumina diversas situações da vida pública de Jesus: Ele convive com os pecadores e as pecadoras, até para ter direito de lhes perdoar os pecados. Esta é uma prerrogativa que, para os judeus daquele tempo, pertencia somente a Deus e era regulada pelos sacerdotes no templo. A parábola é narrada enquanto Jesus está almoçando na casa de Simão, o fariseu: pela sua beleza, merece ser lembrada a cena na qual a parábola é proferida:

Um fariseu convidou Jesus para comer com ele. Jesus entrou na casa do fariseu e se pôs à mesa. E eis que uma mulher, conhecida na cidade como pecadora, soube que Jesus estava à mesa na casa do fariseu. Ela chegou com um frasco de alabastro cheio de perfume. Ficou por detrás, aos pés de Jesus, e chorava. Com as lágrimas, começou a banhar os pés de Jesus, a enxugá-los com os cabelos, a cobrir de beijos os pés dele e a ungi-los com perfume. Quando viu isso, o fariseu que tinha convidado Jesus começou a pensar: “Se esse homem fosse profeta, saberia quem é que está tocando nele, e que tipo de mulher é essa, pois é uma pecadora”. Jesus então lhe disse: “Simão, tenho uma coisa para lhe dizer”. Ele respondeu: “Fale, Mestre”. Disse-lhe Jesus: “Certo credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentas moedas de prata, e outro devia cinqüenta. Como eles não tinham com que pagar, ele perdoou a dívida dos dois. Qual deles o amará mais?” Simão respondeu: “Suponho que é aquele a quem ele perdoou mais”. Jesus lhe disse: “Você julgou certo”. E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: “Você esta vendo essa mulher? Entrei em sua casa e você não me ofereceu água para lavar os pés, mas ela os lavou com lágrimas e os secou com os cabelos. Você não me deu o beijo de saudação, mas ela não para de beijar meus pés desde que entrei aqui. Você não derramou óleo em minha cabeça, mas ela ungiu meus pés com perfume. Por isso eu lhe digo: os muitos pecados dela estão perdoados, pois ela muito amou. Mas aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama”. E disse a ela: “Seus pecados estão perdoados”. Os que estavam à mesa começaram a comentar entre si: “Quem é esse que até perdoa pecados?” E então Jesus disse à mulher: “Sua fé a salvou. Vá em paz”.

 

1. O embaraço do amor

A hospitalidade que Jesus recebe na casa de Simão, o fariseu, é de uma intimidade perturbadora. A oportunidade é oferecida por um dos habituais convites para almoçar, que Jesus aceita de bom grado. Durante o almoço, apresenta-se uma mulher que era conhecida na cidade pela má fama. Sem ser convidada, nem pedir autorização a ninguém, aproxima-se de Jesus, lava-lhe os pés com as lágrimas, enxuga-os com os cabelos, beija-os e perfuma-os. Os seus gestos espantam, porque se trata de uma pecadora, como foi imediatamente rotulada por Simão. Todavia, a atenção de Simão concentra-se não na pecadora, mas em Jesus: Como pode ser considerado um profeta alguém que deixa que lhe lavem os pés daquela maneira? Portanto, sob juízo está não a mulher, logo considerada pecadora, mas Jesus que, deixando-se tocar por ela, se contamina com o pecado dela.

A pecadora realiza certos gestos que desconcertam Simão e os convidados. Com as mãos, as lágrimas e os cabelos contaminam Jesus. Como transmitir um Evangelho tão escandaloso? Somente uma parábola pode fazer entender o escândalo provocado por Jesus!

 

2. Os dois devedores

A PAIXÃO DE Jesus pelos pecadores é densa de humanidade e gratuita, sem segundas intenções. A breve parábola esclarece o que se verifica na casa de Simão. É tanto mais breve quanto incisiva e consegue o que pretende! Para não revelar de imediato o impacto da parábola sobre a situação, Jesus conta a história de dois devedores e de um credor.  Como habitualmente, Ele não chama os devedores e o credor pelo seu nome, mas invoca a atenção sobre o fundamental da história. O mesmo credor deve receber do primeiro devedor quinhentas moedas de prata e do segundo, cinquenta. A desproporção é notável porque as cinquenta moedas de prata do segundo devedor são multiplicadas por dez em relação à soma do primeiro devedor. Para vincar a ideia, cinquenta moedas de prata correspondem a cerca de dois meses de trabalho, e quinhentas moedas equivalem a dois anos e meio de trabalho dependente.

Jesus explicita que os dois devedores não podem restituir as somas devidas e são perdoados pelo seu credor. Aos personagens da parábola não é concedida nenhuma palavra: não se transcreve diálogo algum entre os devedores e o seu credor. Toda a atenção se concentra sobre a expressão “perdoar aos dois”, que exprime a afirmação da graça em favor dos devedores. E é a graça do credor que provoca a pergunta de Jesus a Simão: “Qual deles o amará mais?”

Simão ainda não percebe ser ele uma das partes em causa e responde que é o devedor a quem foi perdoada a maior some de dinheiro que amará mais seu credor. A sua resposta desmascara-o e acusa-o! Se estivesse com mais atenção à parábola, ter-se-ia lembrado de que, sendo cada pecado um débito que se contrai, somente a graça pode saldar a dívida que todos têm com Deus. Vê-se que Simão não consegue superar o trauma pela graça que Jesus concede à pecadora.

 

3. Aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama

A parábola dá lugar à revelação da situação. Simão é como o devedor de dois meses de trabalho e, por isso, não deu água a Jesus para os pés, nem lhe deu um beijo, nem lhe ungiu a cabeça. A pecadora é como o devedor que deve dois anos e meio de trabalho: nunca conseguiria saldar a dívida. A única saída é a graça para ambos! O maior impacto da parábola sobre a situação recai sobre a relação entre a remissão dos pecados e o amor da pecadora. Infelizmente, diversas traduções dizem, na frase do versículo 47,0 o seguinte: “São-lhe perdoados os pecados porque muito amou”. Na realidade, o original em grego exprime a conseqüência da remissão dos pecados: “Foram-lhe perdoados os pecados e por isso muito amou”. Se não se lhe tivesse perdoado uma culpa tão grande, agora não teria capacidade para amar; a mulher é capaz de amar porque lhe foi dada uma graça sem condições.

A segunda parte da resposta de Jesus confirma o primado da graça: “Aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama” (v.47). A afirmação liga a parábola à vida: quem não vive o amor gratuito de Deus, não está em condições de amá-lo.

 

4. A remissão dos pecados e a fé que salva

Durante um único almoço, Jesus escandaliza todos os hóspedes: “Quem é esse que até perdoa pecados?” (v.49). A pergunta encerra uma resposta lógica: “Quem pode perdoar pecados, a não ser Deus somente?” (Lc 5,21). E para que Deus possa perdoar os pecados, é obrigatório expiá-los segundo a Lei. Portanto, Jesus apropria-se de um direito divino, e não humano, o que seria um abuso de poder.

Todavia, este mesmo abuso preenche a lacuna entre a parábola e a realidade do encontro em casa de Simão. Com o poder de perdoar os pecados a uma pecadora, Jesus esta em linha com o modo de agir de Deus; e o faz porque reconhece a fé que a pecadora teve, desde o início, no seu poder de perdoar os pecados. Se, informada da sua presença em casa de Simão, comprou logo um frasco de perfume caro e superou qualquer obstáculo, é porque foi ajudada por uma inabalável confiança: Jesus é capaz de perdoar os pecados, como um credor a quem se devem quinhentas moedas de prata.

A fé é a única condição que Jesus pede para se ser salvo; é o denominador comum dos seus milagres. Perdoar o pecado a uma pecadora é como curar um paralítico ou um cego: em ambos os casos, é a fé que salva, e não o milagre.

 

5. Que impacto sobre a comunidade?

Voltemo-nos agora para a parábola do rei bom e do servo impiedoso, contada em Mt 18,23-35. Como na parábola de Lc 7,41-43, fala-se de um credor (o rei) e de dois devedores (os servos): o primeiro servo deve ao rei dez mil talentos; a sua súplica suscita a compaixão do rei, que lhe perdoa a dívida. Infelizmente, logo que sai do palácio, esse mesmo servo encontra outro servo que lhe deve cem denários: logo o agride rudemente e o mete na cadeia.

A desproporção das dívidas é incalculável: se na época de Jesus um talento corresponde a dez mil denários, dez mil talentos são uma soma inconcebível em relação aos cem denários que o segundo servo deve ao primeiro. Na prática, com um semestre de trabalho, o segundo servo poderia pagar a dívida, mas o primeiro servo nunca poderia resolver a sua grande dívida para com o rei. Mas a graça que o primeiro servo recebeu do rei foi inútil! Informado do que aconteceu, o rei condena-o: “Então o senhor chamou o tal servo à sua presença e lhe disse: “Servo malvado” Eu lhe perdoei toda aquela dívida porque você me suplicou. Não devia você também ter compaixão de seu companheiro, como eu tive compaixão de você?” (Mt 18,32-33). Então, o servo foi entregue aos torturadores, até que saldasse a dívida, impossível de pagar durante uma vida inteira. A conclusão da parábola é dramática: “Assim também fará com vocês o meu pai celeste, se cada um de vocês não perdoar de coração o seu irmão” (cf Mt18,35).

A Igreja é composta por servos aos quais é perdoada uma dívida ilimitada, para que possam perdoar aos outros servos. E que será de uma Igreja que impõe condições à misericórdia de Deus, embora tenha recebido a ordem de perdoar até setenta vezes sete ou para sempre (Mt 18,21-22)? Seremos capazes de reconhecer que a misericórdia de Deus supera qualquer pecado humano e que nunca se deve transformar num direito adquirido por nós mesmos e numa concessão ao outro?

Com Jesus, a misericórdia de Deus contamina-se de miséria humana e redime-as transformando-a na gratuidade de um amor incondicional. Não há episódio mais íntimo nos evangelhos do que o que se verifica na casa de Simão: uma pecadora que toca nos pés de Jesus, os lava com lágrimas, os enxuga com os cabelos e os beija com os lábios. De acordo com dos evangelhos, a mais ninguém, nem mesmo a sua Mãe, Jesus concedeu tal intimidade. A misericórdia de Jesus redime a miséria humana não apenas tocando-a de leve, mas deixando-se contagiar.

Clique aqui para ler o Texto de introdução

 

Fonte: Parábolas da Misericórdia, publicada pelo Conselho Pontifício para a Nova Evangelização

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