Em nossa vida, tudo é graça. Tudo é dom. Mesmo o bem que fazemos, só o fazemos porque o amor de Deus agiu em nós. “Sem mim, nada podeis fazer”, diz Jesus (Jo 15,5). Isso contradiz a heresia pelagiana (que tem voltado a se manifestar em nossos dias), segundo a qual poderíamos chegar à salvação apenas pelo nosso esforço e boa vontade.
O Evangelho de hoje também nos alerta contra essa tendência, quando Jesus nos convida a considerar-nos “servos inúteis”. Alguns pretendem atenuar a tradução, falando em “simples servos” ou outro termo menos radical. Mas isso é distorcer a expressão original de São Lucas. E Jesus sabia o que dizia ao nos qualificar dessa forma…
É claro que ele conta com a nossa colaboração na construção do Reino. Quis precisar de nossa “inutilidade”. Mas ele sabe do risco que corremos quando, tendo cumprido nossa obrigação, nos julgamos credores de Deus, com direito a regalias e retribuições especiais, a exemplo do irmão mais velho do Filho Pródigo (Lc 16, 25-30) ou do Fariseu que se vangloriava no templo (Lc 18, 9-14). Ele sabe como a vaidade e o orgulho estão sempre rondando e facilmente contaminam a nossa boa vontade, e por isso nos dá esse rótulo de “inúteis”, como antídoto contra a soberba.
Se queremos remover montanhas ou transplantar árvores, é preciso começar por entender que nada se faz por mérito nosso, mas sempre por graça de Deus. Pedir que Deus aumente a nossa fé é, em certo sentido, pedir-lhe que aumente a nossa humildade, a consciência de nossa inutilidade.
A fé não nos faz “receber” coisas, mas deve levar-nos a uma entrega incondicional a Deus. Ela nos faz viver, sim, mas não necessariamente aqui e agora, não necessariamente do nosso jeito e segundo os nossos critérios. Se a injustiça e a violência parecem predominar no mundo (1ª leitura), nem por isso devemos julgar que Deus nos esqueceu. Saibamos esperar! Saibamos cultivar um espírito de fortaleza e aceitar os sofrimentos, sem fraquejar e sem deixar de dar testemunho do Evangelho (2ª leitura). Não endureçamos nosso coração (salmo), mas peçamos a Deus que aumente sempre a nossa fé e confiança, assim como a nossa entrega e disponibilidade. É ele o Senhor! Nós somos apenas servos inúteis… mas fiéis!
Margarida Hulshof | Paróquia Divino Espírito Santo – Holambra
Texto integrante do folheto ‘DEUS CONOSCO | A PALAVRA ILUMINA – DIOCESE DE AMPARO’ (02.10.16 – 27º Domingo Comum)
