PRISIONEIRO DE MEMÓRIAS

Não há como se fazer de cego, quando o sofrimento é esfregado na cara da gente. Não há! Não há como o coração esquecer aquilo que, em vão, os olhos tentaram não ver.

Não há como fingir um “alzheimer social”, quando se trafega todos os dias pelos mesmos caminhos e se encontra as mesmas pessoas em situações desumanas.

Não há como se fazer de indiferente, quando o fedor das feridas abertas esbofeteia o olfato. Não há como celebrar uma alegria alienada quando a tristeza tatuou os seus contornos no rosto daqueles que te circundam. Não há como sorrir por muito tempo, quando se celebra as exéquias daqueles que eram a alegria de suas mães.

Não há como se rejubilar pela mesa farta, quando falta o mínimo na casa vizinha. Não há como desperdiçar a água de boa qualidade que jorra da torneira de casa, quando mulheres e crianças, debaixo de um sol escaldante, se arrastam sob o peso de latas e garrafas, carregando uma água que não é tratada.

Não há como desfilar pelas ruas com roupas novas, bonitas e de marca, quando aqueles que passam pela mesma calçada exibem roupas surradas e desproporcionais ao porte físico, muitas vezes divididas entre todos os membros da mesma família.

Não dá para se refugiar no universo virtual, quando o mundo real implora sua atenção. Não há como gastar tempo com projetos mesquinhos frente uma política corrupta que vilipendia sobre a dignidade dos mais pobres.

Não há como disfarçar uma falsa mudez, quando seus ouvidos ouviram todo tipo de dor e injustiça.

Não há como se livrar de memórias de histórias conhecidas e divididas. Não há como ser o mesmo, depois de ter visitado funerais, leitos de hospitais e casas onde falta tudo.

Padre André Ricardo Panassolo, Vigário nas Paróquias São Benedito e Senhor Bom Jesus do Mirante/Mogi Mirim

 

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