EXORTAÇÃO APOSTÓLICA GAUDETE ET EXULTATE, RECÉM-PUBLICADA

O Papa Francisco acaba de publicar nesta manhã de segunda-feira, dia 9 de abril, a Exortação Apostólica Alegrai-vos e exultai (Gaudete et exultate) sobre o chamado à santidade nos nossos dias.

O documento tem 177 parágrafos em cinco capítulos assim discriminados: 1) A chamada universal à santidade, 2) Dois inimigos sutis da santidade, 3) À luz do Mestre, 4) Algumas características da santidade no mundo atual e 5) Luta, vigilância e discernimento, que, na edição impressa da CNBB, será publicada com 80 páginas.

Eis como o Papa justifica o título da Exortação: “‘Alegrai-vos e exultai’ (Mt 5,12), diz Jesus aos que são perseguidos ou humilhados por causa dele. O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa. Com efeito, a chamada à santidade está patente, de várias maneiras, desde as primeiras páginas da Bíblia; a Abraão, o Senhor propô-la nestes termos: ‘anda na minha presença e sê íntegro’ (Gn 17,1)” (n. 1, p. 9).

“Não se deve esperar aqui um tratado sobre a santidade, com muitas definições e distinções que poderiam enriquecer este tema importante ou com análises que se poderiam fazer acerca dos meios de santificação. O meu objetivo é humilde: fazer ressoar mais uma vez a chamada à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos, desafios e oportunidades, porque o Senhor escolheu cada um de nós ‘para sermos santos e íntegros diante dele, no amor’ (Ef 1,4)” (n. 2, p. 9).

O Documento termina com um louvor a Nossa Senhora, modelo de quem viveu, de modo completo, as bem-aventuranças (cf. n. 176, p. 79).

Confira alguns outros trechos da Exortação:

16. Esta santidade, a que o Senhor te chama, irá crescendo com pequenos gestos. Por exemplo, uma senhora vai ao mercado fazer as compras, encontra uma vizinha, começam a falar e surgem as críticas. Mas esta mulher diz para consigo: “Não! Não falarei mal de ninguém”. Isso é um passo rumo à santidade. Depois, em casa, o seu filho reclama a atenção dela para falar das suas fantasias e ela, embora cansada, senta-se ao seu lado e escuta com paciência e carinho. Trata-se de outra oferta que santifica. Ou então atravessa um momento de angústia, mas lembra-se do amor da Virgem Maria, pega no terço e reza com fé. Este é outro caminho de santidade. Em outra ocasião, segue pela estrada fora, encontra um pobre e detém-se a conversar carinhosamente com ele. É mais um passo (p. 16).

35. Neste contexto, desejo chamar a atenção para duas falsificações da santidade que poderiam extraviar-nos: o gnosticismo e o pelagianismo. São duas heresias que surgiram nos primeiros séculos do cristianismo, mas continuam a ser de alarmante atualidade. Ainda hoje os corações de muitos cristãos, talvez inconscientemente, deixam-se seduzir por estas propostas enganadoras. Nelas aparece expresso um imanentismo antropocêntrico, disfarçado de verdade católica. Vejamos estas duas formas de segurança doutrinária ou disciplinar, que dão origem “a um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se analisam e classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem-se as energias a controlar. Em ambos os casos, nem Jesus Cristo nem os outros interessam verdadeiramente (p. 23).

62. Que o Senhor liberte a Igreja das novas formas de gnosticismo e pelagianismo que a complicam e detêm no seu caminho para a santidade! Estes desvios manifestam-se de formas diferentes, segundo o temperamento e as caraterísticas próprias. Por isso, exorto cada um a questionar-se e a discernir diante de Deus a maneira como possam estar a manifestar-se na sua vida (p. 34).

65. Estas palavras de Jesus, não obstante possam até parecer poéticas, estão decididamente contracorrente ao que é habitual, àquilo que se faz na sociedade; e, embora esta mensagem de Jesus nos fascine, na realidade o mundo conduz-nos para outro estilo de vida. As bem-aventuranças não são, absolutamente, um compromisso leve ou superficial; pelo contrário, só as podemos viver se o Espírito Santo nos permear com toda a sua força e n os libertar da fraqueza do egoísmo, da preguiça, do orgulho (p. 35-36).

114 e 116. É preciso lutar e estar atentos às nossas inclinações agressivas e egocêntricas, para não deixar que ganhem raízes: ‘Podeis irar-vos, contanto que não pequeis. Não se ponha o sol sobre vossa ira’ (Ef 4,26). A firmeza interior, que é obra da graça, impede de nos deixarmos arrastar pela violência que invade a vida social, porque a graça aplaca a vaidade e torna possível a mansidão do coração. O santo não gasta as suas energias a lamentar-se dos erros alheios, é capaz de guardar silêncio sobre os defeitos dos seus irmãos e evita a violência verbal que destrói e maltrata, porque não se julga digno de ser duro com os outros, mas considera-os superiores a si próprio (Fl 2,3)” (p. 54-55).

141. “A santificação é um caminho comunitário, que se deve fazer dois a dois. Reflexo disto temos em algumas comunidades santas. Em várias ocasiões, a Igreja canonizou comunidades inteiras, que viveram heroicamente o Evangelho ou ofereceram a Deus a vida de todos os seus membros. Pensemos, por exemplo, nos sete Santos Fundadores da Ordem dos Servos de Maria, nas sete Beatas religiosas do primeiro mosteiro da Visitação de Madrid, em São Paulo Míki e companheiros mártires no Japão, em Santo André Taegon e companheiros mártires na Coreia, em São Roque González, Afonso Rodríguez e companheiros mártires na América do Sul. E recordemos também o testemunho recente dos Beatos monges trapistas de Tibhirine (Argélia), que se prepararam juntos para o martírio. De igual modo, há muitos casais santos, onde cada cônjuge foi um instrumento para a santificação do outro. Viver e trabalhar com outros é, sem dúvida, um caminho de crescimento espiritual. São João da Cruz dizia a um discípulo: estás a viver com outros ‘para que te trabalhem e exercitem na virtude’ (Cautelas, 15: Opere (Roma 41979), 1072)” (p. 64).

164. Não admitiremos a existência do demônio, se nos obstinarmos a olhar a vida apenas com critérios empíricos e sem uma perspectiva sobrenatural. A convicção de que este poder maligno está no meio de nós é precisamente aquilo que nos permite compreender por que, às vezes, o mal tem uma força destruidora tão grande. É verdade que os autores bíblicos tinham uma bagagem conceitual limitada para expressar algumas realidades e que, nos tempos de Jesus, podia-se confundir, por exemplo, uma epilepsia com a possessão do demônio. Mas isto não deve levar-nos a simplificar demasiado a realidade afirmando que todos os casos narrados nos Evangelhos eram doenças psíquicas e que, em última análise, o demônio não existe ou não intervém. A sua presença consta nas primeiras páginas da Sagrada Escritura, que termina com a vitória de Deus sobre o demônio. De fato, quando Jesus nos deixou a oração do Pai-Nosso, quis que a concluíssemos pedindo ao Pai que nos livrasse do Maligno. A expressão usada não se refere ao mal em abstrato; a sua tradução mais precisa é ‘o Maligno’. Indica um ser pessoal que nos atormenta. Jesus ensinou-nos a pedir cada dia esta libertação para que o seu poder não nos domine” (n. 160). Para um verdadeiro progresso espiritual é preciso resistir, sempre, ao diabo. Estar com “as lâmpadas acesas” (Lc 12,35), vigilantes: “afastai-vos de toda espécie de mal” (1Ts 5,22); “vigiai” (Mt 24,42; cf. Mc 13,35); não adormeçamos (1Ts 5,6) (p. 73-74).

Ir. Vanderlei de Lima é eremita na Diocese de Amparo

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