Hoje, começamos o Evangelho segundo Mateus, que é o primeiro dos quatro Evangelhos. Estude com atenção o que é proposto e comece a ler (ou reler) também o próprio Evangelho a partir do que aqui expomos. Coragem e perseverança!
- Brevíssimos dados do autor e de seu texto
Mateus, nome provavelmente originário de Matatias (= presente de Javé), era um cobrador de impostos (publicano), que, chamado por Jesus, O seguiu imediatamente (cf. Mt 9,9-13; Mc 2,14-17; Lc 5,27-32).
Ele redigiu o primeiro Evangelho em aramaico (o hebraico já não era mais usado desde o século IV a.C.), conforme antigos testemunhos como o de Pápias, Bispo de Hierápolis (cf. Eusébio de Cesareia. História da Igreja III, 39,16) e Santo Irineu de Lião, em sua obra Adversus Hairesis III, 1,1). Escreveu no ano 50, mas foi, aos poucos, sendo traduzido para o grego, idioma corrente da época, e a Igreja adotou como canônica (oficial) uma dessas traduções, já que o original aramaico se perdeu (Jerusalém foi destruída no ano 70). Temos, então, Mt grego do ano 80.
- Características
Apontaremos quatro características no estudo de Mateus.
2.1. Ele escreve, primeiramente, para os judeus convertidos ao Cristianismo a fim de provar que Jesus é o Messias. Nele (em Jesus), se cumprem, de modo pleno, todas as profecias cristológicas do Antigo Testamento.
Sim, Mt recorre muito ao Antigo Testamento para confirmar que Jesus é o Filho de Davi e de Abraão (cf. Mt 1,1), rei dos judeus (cf. Mt 2,2) que veio salvar o seu povo (cf. Mt 1,21). Cita dezenove vezes profecias do A.T. capazes de comprovar a messianidade do Senhor, de modo a aparecer em diversas passagens a expressão “para que se cumprisse o que foi dito por…” (cf. 2,15.23; 4,14; 26,56 etc.).
Traz com frequência passagens do A.T. para provar que determinada profecia se cumpriu em Jesus. Assim, ao falar do jumentinho, em Mt 21,2-7, faz adaptação do que o profeta Zacarias previu (9,9-10); o Senhor é vendido, em Mt 27,9, por 30 moedas de prata em referência a Zacarias 11,12; cita a Lei de Moisés (cf. Êx 20,13.14; Dt 5,8 etc.) que Jesus não veio abolir, mas aperfeiçoar (cf. Mt 5,21-48) etc.
2.2. Supõe que seus leitores conheçam bem os costumes e a geografia da Palestina, de modo que, ao contrário dos outros evangelistas, cita-os sem explicá-los. Assim, por exemplo, ao tratar do rito de “purificação” dos judeus (Mt 15,1-2) não o detalha como faz Marcos 7,1-5; Mt 8,26 não explica sobre os gerasenos, mas Lc 8,26 sim etc.
2.3. O Evangelho de Mt traz muitas expressões de fundo semita (ou hebraico, israelita. Semita é o descendentes de Sem, filho de Noé, cf. Gn 10,22-30), tais como “Reino dos Céus”, em vez de Reino de Deus; “Cidade Santa”, no lugar de Jerusalém; “Casa de Israel”, e não povo judeu; “Filho do Homem”, em vez de Messias etc.
2.4. Mateus é autor de um Evangelho sistemático e temático: organiza a exposição por assuntos e não tanto pela sequência cronológica em que os fatos se deram. Cada tema (sermões, parábolas, milagres etc.) gira em torno do grande tema que é o Reino dos céus.
Às vezes, o (a) leitor(a) é levado a pensar no porquê de determinada sequência a parecer até desconexa. Ora, o estudo bíblico lhe responde que não é assim. Tome, por exemplo, a sequência dos capítulos 5 a 9, pois parecem tratar de vários temas em breve espaço, mas a realidade é diferente. Nosso Senhor legisla, na montanha (cf. 5-7) como o novo Moisés. Embora manso e em ambiente mais tranquilo que no Antigo Testamento (cf. Êx 19,16-19), Jesus prova ter muito maior autoridade que o antigo legislador, ao fazer milagres e realizar exorcismos (cf. 8-9). Uma vez comprovado isso, o Evangelho prossegue com o Sermão missionário do Reino (cf. 10), as parábolas do Reino (cf. 13), a comunidade do Reino (cf. 18) e o fim ou a Consumação (cf. 24). Há, portanto, um propósito muito lógico no Evangelho de Mateus.
- A Igreja em Mateus
Mateus comprova que a mensagem de Jesus é para todos, universal, católica, de modo que se volta não só ao povo judeu, mas também a estrangeiros e pecadores. A Boa nova de Cristo é dirigida aos pagãos e às mulheres, então pouco valorizadas.
Sim, em sua genealogia (Mt 1,1-17) aparecem quatro mulheres: Raab (1,5), que era prostituta, conforme Js 2,1; Tamar (1,3), cananeia, segundo Gn 38; Rute (1,5), moabita, de acordo com Rt 1,4, e Betsabé (1,6), a esposa de Urias, o hitita, no relato de 2Sm 12,24.
Entende-se, à luz dessas passagens, que o termo Igreja (Ekklesia, em grego) só se vê em Mt 16,18 e 18,17 e é o nome do novo Povo de Deus já não mais identificado com uma nação apenas (Israel), mas aberta a todos os homens e mulheres da terra (cf. 21,33-45; 27,15-26; 8,10-12 e 2,1-12). Cristo está com sua Igreja até o fim dos tempos (cf. 28,20), de modo que ela pode passar por momentos difíceis, sem, porém, ser destruída.
Nesse contexto, os discípulos são muito valorizados por Mt: são seus irmãos (cf. 12,46-50; 28,10) e irmãos entre si (cf. 18,15.21.35; 23,8-10), entendem o Mestre (cf. 13,19.23.51-52; note-se que em Mc 4,13.15.20 os discípulos não O entendem). Pedro é o líder humano da Igreja, portanto a ele se deve respeito (cf. 14,28-32; 17,24-27) e é Mt o único evangelista que descreve, de modo direto, o Primado de Pedro (cf. 16,13-20).
- Temas oportunos
O Evangelho segundo Mt traz alguns aspectos particulares que merecem destaque:
4.1 David: na genealogia de Jesus, há 3 séries de 14 nomes cada uma (cf. Mt 1,1-17). Isso porque 14 é a soma das letras do nome hebraico de Davi (D = 4; V = 6, D = 4 = 14. Lembre-se de que até o século X o hebraico não possuía vogais). Daí, 3×14=42 significar a plenitude ou a totalidade dos títulos de Davi de quem Jesus é “Filho”. Ele é o Senhor, o Rei messiânico por excelência. Algumas pessoas não julgariam enfadonha a leitura de Mt 1,1-17, se tivessem este pano de fundo que o pregador poderia, didaticamente, oferecer. Não temos nesta passagem um puro fato histórico, mas história feita catequese.
4.2 Os magos: trata-se de um episódio que tem semelhanças com Moisés e seu nascimento (cf. Êx 2,4; compare ainda Êx 4,19-20 → Mt 2,19-21; Êx 2,15 → Mt 2,13-14.16), embora tenha também dessemelhanças: o sonho do faraó nada tem a ver com Mt 1,20-21, nem a convocação dos sábios ou a morte das crianças (enquanto o faraó manda matar todas, Herodes assassina só as de dois anos para baixo). Mt quer demonstrar, de modo não rigorosamente histórico, mas teológico ou maravilhoso, que Jesus é o novo Moisés, o legislador por excelência reconhecido por todos (não só pelos judeus).
Esse recurso tem o nome técnico de midraxe, ou seja, é uma espécie de comentário teológico edificante dos fatos bíblicos. Uma história real (não um mito) feita catequese.
4.3 O primado de Pedro: em Mt 16,13-20, ocorre a chamada “Confissão de Pedro” que merece atenção. Pedro tem seu nome mudado, o que demonstra a grande missão que lhe foi confiada (cf. Is 26,10) e lhe é dado o poder das chaves, ele é o primeiro ministro (cf. Is 22,22, por exemplo) do Senhor. Portanto, Cristo delega a Pedro o poder que Ele detém (cf. Ap 3,7). “Ligar e desligar significa para os rabinos, a totalidade do poder, tanto de proibir ou de permitir (= estabelecer normas), quanto de condenar e absolver (= excluir da comunidade e readmitir nela). O poder das chaves, confiado a Pedro e também à comunidade em conjunto (Mt 18,18) é assim um poder espiritual” (VV.AA. Leitura do Evangelho segundo Mateus, p. 76).
O texto deixa dois pontos em aberto. Convém respondê-los: 1) Cristo deu poder apenas à pessoa de Pedro ou também a seus sucessores, os Papas ao longo da história? – Responde a nota b da Bíblia de Jerusalém correspondente a Mt 16,19 o seguinte: “a exegese católica afirma que essas promessas eternas valem não só para a pessoa de Pedro, mas também para os seus sucessores. Embora essa consequência não seja explicitamente indicada no texto, é legítima, entretanto, em virtude da intenção clara que Jesus tem de prover o futuro de sua Igreja como instituição que a morte de Pedro não poderia tornar caduca. – Dois outros textos, Lc 23,31s e Jo 21,15s, deixarão claro que o primado de Pedro deve exercer-se particularmente na ordem da fé e que ele o torna chefe não só da Igreja futura, mas já dos demais apóstolos”. 2) Em Mt 18,18, o poder de ligar e desligar dado a Pedro é estendido aos demais apóstolos que o exercem com Pedro e sob Pedro, mas nunca a sós ou enquanto colégio (corpo) sem cabeça (Pedro = o Papa). Ver: Catecismo da Igreja Católica n. 880-884; Paulo VI, Ecclesiam Suam, 1964, n. 62.
Referências
BETTENCOURT, Dom Estêvão; LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Curso Bíblico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2016, p. 80-87.
- AA. Leitura do Evangelho de Mateus. São Paulo: Paulinas, 1982.
ZUMSTEIN, Jean. Mateus, o teólogo. São Paulo: Paulinas, 1990.
Questionário
- Quem é o autor do primeiro Evangelho? Em que língua ele escreveu seu relato original e em qual ano? Tal obra ainda existe? Que texto temos no cânon atual? Explique.
- A quem Mateus se dirige em primeiro lugar? Como comprovar isso?
- Que se entende por semita? E por midraxe?
- Como explicar a sequência dos capítulos 5 a 9, de acordo com esta lição?
- Queira descrever os ensinamentos de Mt sobre a Igreja.
- Qual a intenção de Mt ao propor a genealogia de Jesus como o faz?
- Poderia expor o que entendeu sobre Davi (a), os magos (b) e Pedro (c)?
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Leia o CURSO BÍBLICO V – OS EVANGELHOS
Ir. Vanderlei de Lima, coordenador do Curso Bíblico