Prezado(a) leitor(a), iniciamos um Curso Bíblico a fim de ajudá-lo(la) a melhor conhecer e, por consequência, a viver a Palavra de Deus.
Queira, portanto, acompanhar e divulgar este trabalho, bem como dar resposta às perguntas propostas no final da exposição, a fim de ter direito a um certificado de participação ao término do Curso. Em caso de dúvida, recorra a nós.
I. Inspiração, revelação, gêneros literários e verdade
A Bíblia é a Palavra de Deus inspirada e registrada por escrito. Aqui, já surge uma importante questão: que é inspiração? – Por inspiração entendemos o fato de o escritor bíblico (hagiógrafo) transmitir uma verdade religiosa, não a partir do nada, mas de acordo com seu conhecimento humano iluminado por Deus. O hagiógrafo, portanto, não parte do zero, mas interpreta, à luz de Deus, fatos históricos conhecidos.
Logo se vê que inspiração é diferente de revelação. Nesta, há uma verdade dada pronta por Deus, ainda que tal revelação leve em conta, de modo didático, a cultura na qual a pessoa está inserida. Em outras palavras: o hagiógrafo precisa apresentar a mensagem revelada por meio de contextos ou figuras que conhece em seu meio, para que ela possa ser compreendida.
Essa cooperação ou parceria entre Deus e o ser humano leva-nos a afirmar que a Bíblia é um livro divino-humano, uma vez que transmite o pensamento de Deus com características humanas (linguagem, ambiente geográfico, histórico, cultural etc.). A grande mensagem bíblica é, portanto, sempre religiosa, mesmo quando trata de assuntos profanos. Exemplo: as primeiras páginas do Gênesis (capítulos 1 a 11) não pretendem tratar de ciências naturais – quando e como foi feito o mundo e o que nele existe ou ocorreu –, mas, sim, da importância da obra criada por Deus.
No entanto, “A Bíblia não poderia transmitir esta mensagem de ordem religiosa sem recorrer a algum linguajar humano, que, no caso, é mero veículo ou suporte da mensagem religiosa” (E. Bettencourt; M. L. Corrêa Lima. Curso bíblico. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2016, p. 35). Guardemos que a Bíblia toda é inspirada, assim como cada palavra que ela usa, pois tais palavras querem expressar um conceito religioso. Contudo, só as línguas originais da Bíblia (hebraico, aramaico e grego), não as traduções, gozam do favor da inspiração. Daí, ao estudar a Palavra de Deus escrita, temos de contar com uma boa edição dela em mãos. Os estudiosos recomendam a Bíblia de Jerusalém (BJ) e a Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), por serem muito fiéis aos originais e conterem ricas notas de rodapé (cf. J. Konings. A palavra se fez livro. S. Paulo: Loyola, 1999, p. 21), mas qualquer edição com introdução e notas de rodapé ajuda no estudo.
- Os gêneros literários
A Bíblia, como livro divino-humano, se vale de gêneros literários oportunos ou de artifícios da própria linguagem humana para melhor transmitir seu conteúdo.
“Ora, na Bíblia temos os gêneros literários dos antigos judeus e gregos; existe, por exemplo, a história em sentido mais objetivo (1º Macabeus), a história edificante ou midraxe ou ainda hagadá (Tobias, Judite, Ester, Rute), a história em estilo popular (como Sansão em Juízes, 13,1-16,31), a parábola (Mt 13,1-51; Lc 15,1-32), a alegoria (Jo 15,1-6), a lei (Êx 20,1-17), o canto poético (Is 5,1-7), o apocalipse (Mt 24,4-44); merece especial atenção a história etiológica ou a história narrada em vista de propor a causa (aitia, em grego) de um fato estranho (assim, Gn 19,30-38 explica pelo incesto das filhas de Lote a inimizade existente entre Israel e os povos de Amon e Moab; tais povos seriam filhos do pecado)” (E. Bettencourt; M. L. Corrêa Lima. Curso bíblico. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2016, p. 37).
Perigo a evitar: na leitura bíblica deve-se respeitar o respectivo gênero literário do texto lido. Nunca tomar tudo ao pé da letra, nem julgar tudo como se fosse mero sentido figurado. Exemplo: em Gn 1,1-2,3 (criação), há um hino litúrgico, e não um relato científico; já em Mt 26,17-29 (instituição da Eucaristia), temos um relato histórico a ser entendido ao pé da letra.
Portanto, o primeiro passo para a compreensão da Sagrada Escritura é entender o tipo de gênero literário a partir da própria introdução do livro.
- A verdade
É verdade, na Bíblia, tudo o que o hagiógrafo entendeu como verdade dentro dos seus conhecimentos. Aquilo que o escritor sagrado afirma por si, é sempre verdadeiro (Jo 1,18); entretanto, aquilo que ele comenta sobre outros é apenas uma constatação, e não uma afirmação (Salmo 52/53,1).
Jo 1,18: “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o deu a conhecer”. É verdade afirmada pelo hagiógrafo.
Sl 52/53,1: “Diz o insensato em seu coração: ‘Deus não existe!’”. É constatação que o hagiógrafo apenas retransmite a partir da fala do insensato.
Não se pode, em hipótese alguma, interpretar o hagiógrafo em sentido diferente daquilo que ele tinha em mente: se ele escreveu em estilo poético, devemos entender como poesia; se ele escreveu de modo histórico, devemos entender como história.
II. O cânon (catálogo) bíblico: retrospectiva
A Bíblia católica tem 73 livros e a protestante, 66. Daí, alguns irmãos separados acusarem os católicos de termos acrescentado livros à Bíblia, no Concílio de Trento (1545-1563), quando, na verdade, foi o protestantismo quem os retirou da Sagrada Escritura, conforme ficará comprovado neste artigo.
- Escrita demorada
A Bíblia, como é sabido, não foi escrita de uma vez, mas aos poucos e em meio a dificuldades, dado ser a arte da grafia algo raro e caro na Antiguidade. Moisés foi, no século XIII a.C., quem começou a reunir e organizar as tradições orais e escritas do povo de Israel. A essas composições foram se juntando outras sem que houvesse da parte dos judeus uma preocupação de elaborar para elas um cânon (catálogo).
Eis, no entanto, que, no século I da era cristã, começaram a aparecer as Cartas de São Paulo e os Evangelhos tidos pelos cristãos como continuadores (ou até mesmo complementadores) dos livros sagrados judaicos. Ora, isso muito desgostou o povo de Israel, que tratou de impedir tal composição. Como fizeram isso?
Reuniram-se, por volta do ano 100 d.C., em Jamnia (ou Jabnes), ao sul da Palestina, a fim de estabelecerem critérios seguros que deveriam caracterizar os livros inspirados por Deus ao povo judeu. Estabeleceu-se, então, que, para ser considerado um escrito sagrado, ele: 1) não poderia ter sido elaborado fora das terras de Israel; 2) teria de vir em hebraico (nunca em aramaico ou grego); 3) a data tinha de ser antes de Esdras (458-428 a.C.) e 4) estar em concordância com a Lei de Moisés (a Torá).
- Enquanto isso em Alexandria (Egito)
Em Alexandria (Egito), existia grande grupo de judeus que falavam grego e chegaram a traduzir para aquele idioma os livros sagrados do povo de Israel, entre os anos 250 e 100 a.C., na chamada versão dos Setenta ou da Septuaginta. Aí, eles aceitavam livros que a reunião de Jamnia depois proibiu. A saber: Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, Eclesiástico, 1º e 2º Macabeus, além de textos como Ester 10,4-16.24; Daniel 3,24-90; 13-14 (na Vulgata, tradução da Bíblia feita, em partes, por São Jerônimo).
Pois bem, entre o catálogo restrito da Palestina e o amplo de Alexandria, os fiéis cristãos escolheram o segundo. Daí, os Padres (= Pais) da Igreja, nos primeiros tempos do Cristianismo, usarem – à exceção de São Jerônimo, falecido em 420 –, o cânon de Alexandria: Clemente Romano, cerca de 95, na Carta aos Coríntios recorreu a Jd, Sb, fragmentos de Dn, Tb e Eclo. Já em 140, o Pastor de Hermas usou amplamente, Eclo e 2Mac; Hipólito de Roma, em 235, comentou Daniel com os fragmentos rejeitados por Jamnia, além de Sb, Br, bem como se valeu de Tb e 1º e 2º Mc.
Prevaleceu, portanto, após alguns debates, o cânon amplo entre os cristãos. Tal catálogo foi confirmado pelos Concílios regionais de Hipona (393), Cartago III (397), Cartago IV (419), Trulos (692). Essas definições se repetiram nos Concílios Ecumênicos (universais) de Florença (1442), Trento (1546) e Vaticano I (1870). No século XVI, na Reforma Protestante, Lutero, a fim de contestar a Igreja Católica, adotou o catálogo de Jamnia, que é restrito, excluindo, portanto, Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, Eclesiástico, 1º e 2º Macabeus, além de textos como Ester 10,4-16.24; Daniel 3,24-90 e Daniel 13-14. Daí, a Bíblia reformada ter sete livros a menos que a católica.
- Só a Bíblia?
A título de complementação, notemos um importante detalhe: Ninguém segue só a Bíblia: o católico a tem a partir do cânon amplo de Alexandria, confirmado pelos Concílios da Igreja, e os protestantes a utilizam à luz do catálogo restrito de Janmia, adotado por Lutero e seus seguidores a partir do século XVI.
A quem fala que segue “somente a Bíblia”, pergunte-lhe, educadamente, quantos livros ela contém. Ao lhe dizer que são 66, peça que a pessoa mostre em que livro, capítulo e versículo está esse dado numérico. Não encontrando (e não encontrará), faça-a ver que ela não segue só a Bíblia.
Glossário: 1.Alegoria: metáfora ou linguagem figurada/ 2.Etiologia:ciência das causas/ 3.Hagiógrafo: escritor bíblico/ 4. Midraxe: narração “ornamentada” pelo hagiógrafo para melhor edificação do leitor/ 5.Parábola: comparação. História sensível que ilustra uma verdade mais profunda.
Questionário: 1) Que é inspiração? 2) Como definir revelação? 3) Em que sentido a Bíblia é um livro divino-humano? 4) Fale sobre a importância dos gêneros literários no estudo bíblico. 5) Como se entende o conceito de verdade no estudo da Bíblia? Dê exemplos. 6) De que época datam os escritos bíblicos? 7) Quais os critérios dos judeus de Jamnia para que um escrito fosse considerado sagrado? 8) Fale sobre Alexandria e a Septuaginta. 9) A Igreja confirmou o cânon de Jamnia ou o de Alexandria? Em quais datas e eventos? 10) Como provar que ninguém segue só a Bíblia? Explique.
Envio das respostas: Na folha, nome completo e telefone, pergunta enumerada e a resposta. Pode enviar no e-mail a seguir: if.savio@hotmail.com ou por correio: Curso Bíblico. Rua Barão de Campinas, 307, Centro. CEP 13900-110. Amparo, SP.
Leia o CURSO BÍBLICO II
Ir. Vanderlei de Lima e seminarista João Félix, coordenadores do Curso Bíblico.